A pseudo-crítica musical da internet

4 min


0
Agora esta porra ficou séria.

Tinha outro texto a ser escrito sobre este tema. Contudo, após a excelente dica de um artigo feita pelo Rafael, decidi mostrar uma outra realidade, muito mais contundente e chata, pelo menos no que tange a internet e as redes sociais: a crítica para legitimar preconceitos. Ou, se preferirem, a justificativa para alguma coisa, que caso eu não goste, ser desqualificada.

Não quero e nem vou entrar no mérito de algo ser ou não bom em termos de qualidade. Particularmente, não gosto de funk, pagode e muito menos de Michel Teló. Nem invalido as críticas que são colocadas com relação ao trabalho deles. O problema é muito mais embaixo, profundo e, de certo modo, aceito. Vamos a algumas recapitulações.

Recentemente postei este artigo sobre o preconceito que os fãs de rock disseminam contra os fãs de funk. Evidentemente que é hipócrita reclamar de sofrer preconceito e praticar um igual: afinal, qual a vantagem ou o mérito em ficar o tempo todo batendo contra algo que não lhe agrada? Mais uma vez, qual a razão em atacar aquele que gosta de algo que simplesmente não lhe apetece? Colocando em outras palavras, para que tal animosidade?

Entretanto, a tônica deste texto é outra. Parece que virou um modismo ficar o tempo todo criticando (no sentido generalizante da coisa) a pessoa que gosta de funk, de sertanejo ou mesmo de Michel Teló. E, para mostrar a jactância de sua escolha musica, enumera mil e uma qualidades de gostar de rock e, consequentemente, de estilos ditos “underground” e revela a riqueza por detrás de suas letras, a complexidade de suas melodias, a relevância em mostrar como seus ídolos são sábios e inteligentes.

Por isto vou dar uma receita de como fazer uma pseudo-crítica musical. Papel e caneta a mãos, é mais fácil que baixar pelo Kazaa:

Prepare-se para minha retórica fulminante

Assim, uma coisa que é notória nestas pessoas: elas constroem seus argumentos na necessidade de parecerem superiores. Tanto que o mesmo tipo de gente que eleva o valor de algo a ponto de erroneamente colocarem como parte da cultura culta, esquecendo-se de que, na verdade, este sujeito (assim como o alvo da sua crítica) está amplamente inserido dentro da cultura popular. Tanto que a música se divide em dois tipos básicos: popular e erudita. Dentro da esfera erudita existem os períodos da histórica da música e os movimentos que a caracterizam como barroca, clássica, neoclássica, concreta etc. Este tipo de composição parte de muito estudo, possui (em alguns momentos da História) até mesmo uma importância sócio-filosófica e que precisa ser analisada para ser compreendida. Na sua vertente popular, a música não prescinde tantos elementos, é composta como, em muitos casos, uma representação de alguns valores sociais, podendo ter ou não algum tipo de valor (embora seja um conceito quase sempre pessoal).

Isto não impede que uma pegue elementos da outra, mesmo que de uma forma não-proposital. Podemos notar que muitos guitarristas de heavy metal se apropriam de contrapontos presentes em música barroca, mas nem por isto passaram a se integrar na música erudita. Seguindo o mesmo raciocínio, teremos muitas peças de violão erudito com partes de choro, sem que este deixe de lado seu caráter erudito. A noção precisa do que pode ser ou não erudito muda muito com os movimentos de vanguarda, ignorando a noção de que tudo que é complexo é erudito e tudo que é simples é popular. Jazz e música erudita minimalista provam exatamente isto.

Está convincente para você?

Só que ofender quem gosta de música mais popular parece ser algo recorrente. Os argumentos destes indivíduos se pautam em defenderem o seu ponto de vista e, com isto, parecerem mais cultos e inteligentes. Concordo que um Mr Catra não é nenhum exemplo de poesia e de “letras bem feitas“. Assim como nunca vou imaginar uma Tati Quebra-Barraco fazendo música com conteúdo politizado. Não existe nenhum problema com isto, afinal, não é ouvindo sobre sacanagem que as pessoas se sentirão compelidas a fazerem o mesmo. Muitas vezes a ideia é apenas dar umas risadas, não é para ser levado a sério. Senão usaríamos o mesmo raciocínio para o Mötley Crüe, Cannibal Corpse, Suicide Commando, etc. Inclusive o argumento que muitos defendem quando dizem que letra tal faz apologia ao demônio, muitos dizem somente que não é para ser levado a sério e que nem todas as bandas são assim.

Com isto eu quero colocar que criticar apenas por questão de aparentar elevado grau de cultura é burrice. Não quer dizer que não se possa criticar mais nada. Tudo é passível de ser criticado, desde que de uma forma coerente, uma vez que não existe este papo de crítica construtiva ou destrutiva. A forma de abordagem varia de acordo com a intenção, sem, contudo, perder a lógica. Também não é crime se mostrar preconceituoso, as pessoas têm limitações em seus conhecimentos e acabam, muitas vezes, julgando de forma parcial e conveniente. O que se precisa entender, de uma vez por todas, é que nada, absolutamente nada, é perfeito ou incriticável. Toda música popular pode ser medíocre ou ser uma grande obra de arte. Mas enaltece-la em busca de uma valoração elitista e como forma de promover um discurso preconceituoso é, acima de tudo, uma ideia extremamente idiota. Aceitar isto é suficiente para que, no fim das contas, se possa ao menos continuar a gostar de algumas coisas, desgostar de outras e manter as análises fora daquele que gosta deste ou daquele artista.

Entender isto é uma benção. Praticar é algo mais raro ainda. E criticar sem cometer os mesmos erros é, sem dúvidas, a maior coisa que pouquíssimas pessoas conseguem fazer.


Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.