Bizarra Locomotiva: Entrevista com Miguel Fonseca

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A Bizarra Locomotiva é uma destas bandas que é ao mesmo tempo um achado e uma necessidade. Achado porque é algo cujo público ainda é muito restrito; necessidade por pertencer a um gênero tão combalido como o metal industrial e ainda sim soar forte, imponente e inovador. Por isto confira a entrevista que fiz com Miguel Fonseca.

GROUNDCAST Nós do Groundcast ficamos muito gratos por termos a honra de entrevistar um dos maiores nomes do metal industrial em Portugal, o grupo Bizarra Locomotiva. Como para muitos brasileiros ainda é um grupo desconhecido, poderia nos contar um pouco da história do grupo?

MIGUEL FONSECA Gratos ficamos nós por divulgarem o nosso trabalho aí no Brasil. Como em 20 anos há muito para contar, nada melhor que rever a biografia completa para ficarem a par do que é a Bizarra Locomotiva:

“Precursores da música Industrial em Portugal, os Bizarra Locomotiva são hoje a principal referência do género no panorama musical Lusitano.

A sua história remonta a 1993, quando Rui Sidónio (voz) e Armando Teixeira (voz e maquinaria) formam uma banda com vista a participar num evento importante, de âmbito nacional, que já havia dado a conhecer grandes talentos em Lisboa.

Os Bizarra Locomotiva vêm então as portas abrirem-se e participam no conceituado festival francês Printemps de Bourges, em 1994.

O ano de 1994 revela-se profícuo em lançamentos: Abril o mês escolhido para o álbum de estreia homónimo, sucedido em novembro de, First Crime, Then Live. O disco estava organizado em duas partes, uma gravada em estúdio e cantada em inglês, e a outra gravada ao vivo em Franca e vocalizada em Português.

Miguel Fonseca (guitarra – Thormenthor, Mofo, Plastica) vem, entretanto, reforçar o lineup, contribuindo decisivamente para o crescimento do coletivo.

Após participarem na 7ª Bienal de Jovens Criadores da Europa Mediterrânica, os Bizarra Locomotiva empreendem uma bem sucedida tournée nacional. O expoente máximo no que aos espetáculos ao vivo diz respeito, todavia, alcançado em Agosto de 1997, quando atuam no Festival Sudoeste, no âmbito da promoção ao EP Fear Now, a par de bandas como os Marilyn Manson e Blur.

Bestiário, de 1998, constitui o álbum-paradigma do grupo. Assentando no conceito “O Homem Besta e a Besta Homem” – através do qual recriam figuras mitológicas que retrata metaforicamente o Homem, o disco evidencia uma abrangência musical mais ampla, acolhendo novos ambientes e sonoridades. A vertente estética assume, de igual modo, importância acrescida: o conceito lírico e musical transposto para o palco, no qual Rui Sidónio sai do interior de um “casulo”, na abertura dos espetáculos, simbolizando o nascimento da Besta.

Em 2002, regressam com Homem Maquina, um novo CD conceptual que, de algum modo, da continuidade ao anterior. A Humanidade uma vez mais objeto de critica feroz, pois, embora tenha criado as máquinas, a elas culpabiliza por todos os males à face da Terra. A fronteira entre Homem e máquina esvanece-se. A máquina humaniza-se, o Homem maquina-se. A par do álbum, um novo conceito estético e de espetáculo elaborado, desta feita envergando a banda fatos que simbolizam o Homem Maquina. Rui Berton se junta ao coletivo bizarro na bateria.

Com o ano de 2004 a chegar ao fim, a Bizarra Locomotiva entra em mais uma estação, num regresso a sonoridades mais cruas que tinham sido intencionalmente negligenciadas no anterior registo retomando a raça pura do Rock industrial. Nesta nova paragem ferroviária os gritos regressaram quase em omnipresença.

Ódio o 1º trabalho gravado pela formação atual, que já tinha estado em palco a promover o anterior “homem máquina” e onde o papel de compositor musical principal e produtor passa para as mãos de Miguel Fonseca e as líricas para o subconsciente de Rui Sidónio num resultado explosivo e feito para ruir os palcos á passagem da Locomotiva, partilhando-os com bandas como os Young Gods.

Com 19 anos de existência este projeto conta com uma carreira invejável no panorama nacional com 9 discos editados e com uma platina aquando a participação no tributo aos Xutos e Pontapés com o tema “Se me amas”.

A atuação da banda no festival Super Bock Super Rock 2006 ao lado dos Korn e dos Soulfly, foi a consagração, deixando toda a gente boquiaberta com o poder da Bizarra Locomotiva confirmando ser o expoente máximo da música industrial em Portugal e marcando com impacto para uma vida sempre quem vê os seus espetáculos.

Liderando a locomotiva está Rui Sidónio – um dos mais carismáticos gritadores portugueses de sempre a que ninguém fica indiferente ao ver as suas prestações contagiantes em palco.

2009 a 2012 foram marcados pelo álbum mais negro de sempre da história do Rock Português.

Aclamado pela crítica, álbum do ano em vários escaparates, com prefácio do escritor consagrado internacionalmente José Luís Peixoto, o novo Álbum Negro é o mais sombrio, pesado e denso trabalho da já longa carreira da banda contando com um convidado muito especial – Fernando Ribeiro dos Moonspell, passageiro assíduo de longa data desta Bizarra Locomotiva.

Evento de lançamento de Álbum Negro
esgotadíssimo deixando uma fila enorme de passageiros por entrar tem sido exemplo em quase todas as estações por onde passa a Bizarra Locomotiva, já considerada uma banda de culto a par dos Mão Morta por levar sempre atrás de si uma dedicada legião de fãs autoproclamados de “Escumalha”. O carismático Alpha se junta ao coletivo bizarro no controlo da sala das máquinas.

Já com quase 30 datas da Tour Álbum Negro
por estradas de Portugal tendo maior destaque a passagem pela F.I.L. na celebração do Dia do Metal como convidados especiais dos Moonspell e também pelo Coliseu do Porto como convidados dos Fields of The Nephilim.

A Banda está a preparar entretanto o novo disco para sair em breve não fazendo pausas no andamento da Locomotiva.

Palavras escritas e gritadas por quem sofre o mundo.

Baterias espancadas por quem conhece o ódio.

Guitarras que urram a dor.

Máquinas que não param e açoitam em violência.

Mais poderosa que nunca a Bizarra Locomotiva continua em viagem; transportando as histórias dos passageiros que viajaram, viajam e viajarão nela.

Esta é a Bizarra Locomotiva de hoje, 20 anos de carreira, desde 1993 em movimento, e preparada para viajar muitos mais anos.”

GROUNDCAST Por que do nome Bizarra Locomotiva? Alguma razão especial?

MIGUEL FONSECA Todas as bandas precisam de um nome. É como se fosse uma marca que irá acompanhar a banda durante a sua existência. Inclusive o nosso está registado como marca. Foi um nome que nos soou bem na altura, e que ilustrava perfeitamente o som que fazíamos. O facto é que 20 anos depois continua a soar-nos bem e a cumprir a sua função…

GROUNDCAST Uma coisa frequente no meio do metal industrial é a de bandas assemelhada ao Rammstein, como o Megaherz, por exemplo. No entanto, existe um estilo único no som de vocês. A concepção sonora do grupo foi pensada desta forma “diferente” das outras bandas europeias de metal industrial, para soar como algo único?

MIGUEL FONSECA A Bizarra Locomotiva já existia antes de existirem os Rammstein, por isso é algo que nunca nos podem colar a…, se bem que ainda há algumas pessoas que insistem no facto, mas ainda os Rammstein estavam a começar, nós já tínhamos dois álbuns editados. Não são de todo uma influência para nós, embora já termos atuado com eles como banda convidada da primeira vez que vieram a Portugal.

A sonoridade da Bizarra Locomotiva é rotulada de Industrial mas é de muito mais fácil digestão do que muitas pessoas julgam. A nossa raiz musical sempre foi o Rock. Simplesmente tentamo-nos abster de influências de outras bandas e conseguimos criar uma sonoridade muito própria, o que em conjunto com tecnologia primitiva que usámos quando criámos a banda deu outra roupagem mais própria e original.

GROUNDCAST O que influencia vocês?

MIGUEL FONSECA Somos parte de uma geração em que nos podem apelidar de “filhos do Industrial”, devido a termos sido nascidos e criados nessas atmosferas citadinas.

O facto de termos tido a presença constante nas nossas vidas da paisagem e poluição industrial da margem sul do Rio Tejo e da zona oriental de Lisboa, isso marcou-nos como pessoas e influenciou-nos sonora e visualmente, o que se vem a reflectir sempre que nos juntamos para criar os sons de cada álbum da Bizarra Locomotiva… a coisa sai naturalmente.

GROUNDCAST Por que decidiram cantar em língua portuguesa? Aqui no Brasil existe um grande preconceito com bandas que cantam em língua portuguesa, existindo certa resistência por boa parte dos fãs. Em Portugal, como é a situação de bandas como o Bizarra Locomotiva?

MIGUEL FONSECA Surgiu naturalmente em Português porque é a nossa língua mãe.

A nossa antiga editora (Symbiose Records) tentou uma edição em Inglês com o nosso segundo trabalho para proporcionar a distribuição dos nossos discos noutros países, mas acabámos por não nos sentirmos confortáveis nesse registo.

As letras da Bizarra Locomotiva soam bem em Português, é a sonoridade da nossa língua que lhes dá alma… é uma crueza caracteristicamente nossa e não faz sentido transcrevê-las noutra língua.

Seria o mesmo que ouvir os Rammstein a cantarem em Inglês. Perdiam a sua identidade.

GROUNDCAST Ouvindo os discos anteriores do grupo, nota-se uma diferença muito grande entre eles, sobretudo por não soarem repetitivos ou mesmo “seguir um padrão”. Como se dá o processo de criação de vocês?

MIGUEL FONSECA As ideias estão sempre a surgir e vão ganhando forma á medida que se molda o conceito do disco. O processo passa sempre por musicar os textos consoante às sonoridades e o conceito que procuramos para o disco.

As gravações decorrem no nosso estúdio onde nos dedicamos a explorar as sonoridades que queremos para o álbum e costumamos usar samples de sons exteriores que captamos ou criamos de raiz estes bancos sonoros relativos a paisagens industriais ou sons isolados do género.

No caso do “Álbum Negro” gravámos tudo no nosso estúdio e fomos depois misturar aos estúdios Namouche – que são os mais antigos e conceituados estúdios de gravação do nosso país, onde tivemos a oportunidade de usar a imensa maquinaria vintage que por lá havia, caixas de reverberação analógicas reais, pré-amplificadores a válvulas dos anos 60 e 70, etc… o que ajudou muito a criar as atmosferas sonoras que queríamos.

GROUNDCAST De uns tempos para cá o espaço para o metal industrial tem crescido, diversas bandas têm aparecido mais depois da “onda Rammstein”. Como vocês veem este crescimento?

MIGUEL FONSECA Sinceramente não acompanho nenhuma cena musical específica. Acho que a música no século XXI está completamente desinteressante e sem ideias. Todos os projetos novos que aparecem soam a algo que já se ouviu antes. Dá a sensação que já não acontece nada de original.

A culpa é totalmente dos media e da indústria discográfica que só funciona na base da procura desgastante da “Next big thing” ou na procura do próximo “ídolo” que acaba por nunca aparecer… e impõe o conceito do que é novo é que é bom, num ciclo vicioso completamente descartável do que foi feito para trás, e nunca aparece nada de realmente novo… É uma contradição que está a dar cabo da música em geral. O que leva a uma estagnação da criatividade e acaba por não existir esse crescimento que se espera… As bandas sim essas aparecem muitas… mas são apenas mais bandas a fazer a mesma coisa. Cada vez mais desinteressantes. Quaisquer dias existem mais bandas que público pois ninguém já quer ouvir mais do mesmo…

GROUNDCAST Como é manter uma banda por tanto tempo? Quais as dificuldades enfrentadas?

MIGUEL FONSECA É muito difícil manter uma banda. É quase como um casamento em que todas as partes têm de ceder um pouco para a coisa resultar por si. Temos de viver numa democracia musical onde todos dão a sua opinião e participam. O que por sua vez é castrador no que respeita à criatividade pois nunca sai 100% como cada um quer. Sai o resultado de uma cooperatividade entre os músicos que estão envolvidos na relação.

Podem existir ditadores no seio que acabam por destruir as bandas com o seu ego e acabam por seguir carreiras a solo pois não aguentam o orgulho.

Outros por vezes nos obstáculos que a vida nos coloca à frente não os conseguem ultrapassar e acabam por seguir outros caminhos, mas os que são fortes e persistentes conseguem levar o barco em frente e fazer história.

A Bizarra Locomotiva tem-se aguentado e superado muitas adversidades na sua longa viagem. Já vão 20 anos passados com muitas histórias e episódios pelo meio…, esperemos que dure muitos mais pois amamos o que fazemos.

GROUNDCAST Fernando Ribeiro, do Moonspell, participa do “Álbum Negro” e também de alguns shows do grupo. Como aconteceu o convite a ele?

MIGUEL FONSECA A participação do Fernando Ribeiro no Álbum Negro veio por arrasto da “Ópera Extravagante” (Produção do grupo de teatro O Bando) onde participaram o Rui Sidónio e o Fernando Ribeiro… na altura ficou a ideia no ar de uma futura colaboração do Fernando com os Bizarra. Ele já é nosso amigo e passageiro da Bizarra Locomotiva de longa data…

Pertencemos á mesma geração de músicos que surgiram por cá… e a empatia é comum… daí ter acontecido trabalharmos juntos neste disco e de também ter havido algumas participações dele ao vivo nas estações da Bizarra Locomotiva em que ele vai conosco para a estrada apenas por amizade e convívio e acaba por subir conosco para o palco também.

GROUNDCAST Estamos em uma era onde temos o compartilhamento de mp3. Qual a sua opinião sobre isto? Eu mesmo só pude conhecer o trabalho de vocês por causa da internet, pois no Brasil os discos de vocês são muito difíceis de serem encontrados e custam, muitas vezes, três vezes o valor de venda daí.

MIGUEL FONSECA A partilha livre de ficheiros é um efeito secundário da recessão da indústria discográfica, que tomou proporções incontroláveis, mas que ainda teimam em controlar… sem resultados. A culpa será unicamente das grandes corporações e editoras que tinham como garantido o monopólio da venda física de música. Não souberam evoluir com a tecnologia e agora as coisas tomaram proporções que nunca se imaginou acontecer.

Sou completamente a favor da partilha livre de ficheiros, uma vez que quem ganhou sempre mais com a venda física de música foram os agentes intermédios, ou seja, as editoras, os agentes, os managers, as lojas, e não os artistas. Esses, (nós) sempre foram explorados como acontece em qualquer sistema capitalista acabando por só receber uma ínfima parte do valor das vendas da própria música que criam.

Ora, com o boom da partilha livre de ficheiros, isso de repente deu uma volta de 360 graus e agora cada vez mais quem tem os direitos sobre o que se cria são os artistas. Mas este estado de limbo comercial está para durar e há muito para evoluir pois a indústria ainda está em recessão e muito provavelmente eles ainda vão tentar arranjar um meio de voltarem a ter o poder de volta e infelizmente continuarem a explorar os músicos como sempre fizeram.

GROUNDCAST Quando sairá o próximo disco?

MIGUEL FONSECA Estamos de momento em estúdio a gravar o próximo trabalho de originais. Já estamos na fase de gravar vozes e trabalhar as letras. Iremos tentar ter o disco pronto antes do fim do ano. Provavelmente sairá no princípio de 2013 se tudo correr bem.

GROUNDCAST
Conhece alguma banda brasileira?

MIGUEL FONSECA Claro que sim. Ouvi muito os Sepultura na fase do Morbid Visions, Schizophrenia, e Beneath the Remains. Com isso vieram outras bandas por arrasto como os Olho Seco por exemplo que não tinham tanta projeção na altura… o underground funcionava de maneira diferente. Não havia internet nem televisão por cabo, então a famosa cassete era o meio de partilhar música entre as comunidades musicais underground e era o que nos chegava às mãos. Hoje em dia é tudo muito mais acessível.

GROUNDCAST Quais bandas você recomendaria hoje?

MIGUEL FONSECA Tenho ouvido muito ultimamente os The Black Angels, que praticam um Rock Psicodélico muito sónico e intenso. Recomendo também os The Black Rebel Motorcycle Club, e os The Black Keys. Tudo com muito negrume e muito Rock do verdadeiro… Noutro registo recomendo também os Jane´s Addiction que têm um novo disco poderoso.

GROUNDCAST Eu agradeço demais a oportunidade de entrevista-los. Agora este é o espaço de vocês para deixar um recado aos nosso leitores. Fiquem à vontade.

MIGUEL FONSECA Um grande obrigado nós pela oportunidade de divulgarem a Bizarra Locomotiva no Brasil. Esperemos um dia poder tocar por aí e darmos a conhecer o nosso trabalho. Podem esperar como sempre a nossa entrega total de corpo e alma cada vez que subimos ao palco.
Estejam atentos ao nosso Facebook assim como o nosso Myspace e Fórum oficial. Está sempre atualizado e podem partilhar as vossas fotos e vídeos conosco e ficarem informados das estações onde vai passar a Bizarra Locomotiva.

Um grande abraço bizarro a toda a Escumalha! \o/

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Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.