La Chanson Noire: Entrevista com Charles Sangnoir

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La Chanson Noire é um projeto de música que mistura cabaret, punk, post-punk e outras coisas, idealizado por Carlos Monteiro, conhecido também como Charles Sangnoir. Ele nos concedeu esta entrevista, onde fala sobre sua carreira, a cena portuguesa e sobre seu novo disco, “Cabaret Portugal”.

GROUNDCAST Agradeço muito ao senhor Monteiro por nos conceder esta entrevista. Para darmos início, que tal falar sobre sua carreira como músico e contar sobre a Chanson Noire. Por que do nome Chanson Noire? Ele tem que significado para o projeto?

CHARLES SANGNOIR O nome La Chanson Noire nasceu essencialmente de um brainstorming – quando decidi criar este projecto procurei um nome que evocasse ao mesmo tempo elegância, intensidade e negrume. Não tinha a menor ideia em que língua iria cantar, mas o nome apareceu de repente e ficou. Foi muito simples, mesmo.

GROUNDCAST Como que você define a música da Chanson Noire? Toda vez que escuto noto um misto de cabaret, punk, post-punk e ainda sim isto não define exatamente o que escuto.

CHARLES SANGNOIR Chanson mistura uma série de influências – o que acontece é que estão todas bastante misturadas e há um esforço de produção bastante consciente para poder criar uma música que seja ao mesmo tempo diversificada mas sempre com um fio condutor muito coerente. As minhas primeiras escolas musicais foram o punk, o heavy metal e a percussão popular portuguesa – sempre soube que as queria juntar, mas não sabia bem como: com o avançar da idade fui descobrindo outras coisas que me seduziram, como o gótico e o jazz dos anos 20/30. Embora estes estilos sejam muito contraditórios há muito a ganhar em procurar juntá-los.

GROUNDCAST Portugal tem uma cena muito rica e pouco conhecida por nós, brasileiros. Tanto que bons grupos como o Aires Ferreira, Archetypo 120, Uxu Kalhus, Espelho Mau, só para citar alguns, que infelizmente ainda é desconhecido por estas terras. Como você vê esta cena underground em Portugal?

CHARLES SANGNOIR A cena underground portuguesa é particularmente rica no campo do heavy metal, mas no que diz respeito a outro tipo de projectos, como os que falas, a diversidade não é assim tão grande e não existem muitas estruturas que permitam aos artistas desenvolverem uma carreira sólida – daí que haja um underground que só o é por falta de espaço editorial e de imprensa – Portugal deve ser o único país que conheço onde o spoken word, por exemplo, é um género totalmente underground.

GROUNDCAST Certa vez eu conversava com um membro do Darkside of Innocence
e ele disse que grupos como o Mão Morta
são “cult” aí em Portugal. É assim mesmo para algumas bandas, ser relegada a um estado em que poucos conhecem e curtem?

CHARLES SANGNOIR Infelizmente sim. No entanto, no caso de Mão Morta, não é bem assim – os Mão Morta foram uma banda de culto (no fundo ainda o são) durante muitos anos, mas a partir de uma determinada altura houve um boom e os Mão Morta tornaram-se uma banda muito conhecida em Portugal. O que acontece é que, por serem uma banda muito diferente e se recusarem a prostituir a sua música de uma forma óbvia, assume-se que são uma banda para um público limitado. No fundo o underground só o é enquanto uma banda não se torna bastante conhecida – pessoalmente acho uma tolice alguém querer ser underground; é o mesmo que dizer: “ah, eu só quero mesmo tocar para o meu gato”. É legítimo, mas é parvo.

GROUNDCAST Você também é o fundador do selo Necrosymphonic Entertainment. De onde surgiu a ideia de fundar o netlabel?

CHARLES SANGNOIR Falta de recursos! Na altura (já em 2003) tinha algumas bandas minhas que queria ver editadas. No entanto, uma vez que ninguém dava grande atenção e o mercado de venda de cds já começava a entrar em falência, decidi criar a minha própria editora. No fundo ninguém sabe tratar tão bem da tua arte como tu mesmo. A coisa foi-se tornando mais séria e hoje em dia a Necrosymphonic é uma das mais importantes editoras alternativas em Portugal.

GROUNDCAST Poderia comentar sobre a produção do disco “Cabaret Portugal”?

CHARLES SANGNOIR Ufa! Foi um inferno logístico, devo dizer: foram perto de 30 convidados, entre realizadores, designers, fotógrafos, músicos e artistas em geral. Muitos deles, como o Adolfo Lúxuria Canibal (Mão Morta) ou o Fernando Ribeiro (Moonspell) têm uma agenda complicadíssima e foi muito dificil conjugar todas as colaborações. No entanto o esforço compensou: Cabaret Portugal, para além do disco, consiste num livro de capa dura com 13 textos e 26 fotografias originais criadas de propósito para o disco o desafio era o seguinte: entregar a cada artista o nome de uma das músicas e deixá-lo criar uma obra com esse título – mas sem saber do que falava a música. Depois juntei tudo: o resultado ficou glorioso. É um enorme orgulho ter textos de escritores de renome como David Soares ou Gilberto Lascariz, assim como fotos de alguns dos melhores fotógrafos de portugal.

Para além disto, o cd traz ainda uma faixa multimédia com uma produção cinematográfica para o vídeo “Valsa Suína”, realizado pelo Pedro Rodrigues, um dos melhores artistas do cinema de terror em Portugal.

Somando tudo, foi um trabalhão imenso, mas criou-se uma obra sem par na história da música portuguesa – na minha modesta opinião.

GROUNDCAST Ao ouvir o disco “Cabaret Portugal”, nota-se uma fuga da sonoridade óbvia, com uma música mais madura, mais coesa, sem repetir o que foi feito nos discos anteriores. Isto aconteceu de forma natural?

CHARLES SANGNOIR Sim, foi uma evolução natural – ouvindo com atenção encontram-se as referências habituais a La Chanson Noire, e é nitidamente um disco coeso, mas desta vez tive outra liberdade de produção e muito mais tempo de estúdio; isso traduziu-se num disco mais profundo, mais limado. Já não houve necessidade de deitar tudo em exagero no caldeirão e isso nota-se.

GROUNDCAST Ainda falando de “Cabaret Portugal”, vejo que tem uma música em francês, outra em alemão e duas em inglês. Existe alguma razão especial para isto?

CHARLES SANGNOIR Gosto de explorar várias línguas – cada país tem uma musicalidade diferente na sua linguagem, e tal como gosto de pegar no punk, na musica popular ou até na bossa nova (como foi o caso do disco anterior) e vesti-los com a minha roupa, gosto de explorar outras línguas que não o português e ver até que ponto posso jogar com a sua musicalidade intrínseca – a música não tem fronteiras, muito menos de linguagem.

GROUNDCAST O que te influencia?

CHARLES SANGNOIR Sou mais influenciado pelo cinema e pela literatura do que pela musica, confesso. Tenho uma noção bem definida de como quero que a minha música soe, e quando vou para estúdio pura e simplesmente deixo de ouvir música para não ser influenciado. Acima de tudo, é a própria vida que me influencia: as pequenas situações do dia-a-dia, a convivência com outros artistas – tudo isto entra directamente para a minha música. Andar de olhos abertos é a melhor influência que um artista pode ter.

GROUNDCAST A música “Segredos da Alcova” é um belo poema recitado, que me lembra bastante os trabalhos do Ozymandias
e do Elijah’s Mantle, que fazem um trabalho maravilhoso com a literatura. Também nota-se as referências literárias em canções como “Sonhos de uma noite de varão”. O quanto a literatura é importante para você?

CHARLES SANGNOIR Eu devoro livros – ainda assim, não tanto como gostaria. Tento ler á volta de 4 a 6 livros por mês, e a minha escolha recai essencialmente em poesia, literatura ocultista e alguns clássicos de romance e literatura de terror. Sem Fernando Pessoa, [Edgar Allan] Poe, [Aleister] Crowley, [Stanislas de] Guaitas, [Marquês de] Sade ou [Charles]Baudelaire dificilmente existiria La Chanson Noire.

GROUNDCAST Conhece alguma banda brasileira?

CHARLES SANGNOIR Conheço alguma coisa – Mais artistas mainstream, suponho: gosto muito de Caetano Veloso, não desgosto de Zeca Baleiro e claro – Ratos de Porão e Garotos Podres estão no topo da lista. Acho também interessante Pecadores, não tanto pela música (não sou grande fã de industrial), mas pela influência umbanda/macumba da sua temática (eu e Exú partilhamos uma história já bem longa!). E bom, cresci com a minha mãe a ouvir discos de Roberto Carlos e Maria Bethânia!

GROUNDCAST E com relação ao compartilhamento de mp3, qual a sua opinião? Conheci o La Chanson Noire pelo Split com o Espelho Mau e os dois outros discos (Música para os mortos e Cabaret Portugal) ouvi pelo Spotify, uma vez que os discos não chegam ao Brasil e, atualmente, está muito caro comprar os mp3 da banda, devido a desvalorização de nossa moeda e o acesso.

CHARLES SANGNOIR Há que perceber uma coisa – antes do mp3, toda a gente trocava cassete pirata! Isso não é novidade nenhuma – se gostares mesmo de um artista, mais cedo ou mais tarde vais comprar um disco, vais a um show. Vais querer apoiar. Mas para que isso aconteça tens que conhecer o artista, e é para isso que serve o mp3 (e antes disso a cassete pirata). Claro que preferia que os meus fãs me comprassem as músicas em vez de sacar mp3 pirateados que se calhar têm menos qualidade, mas prefiro que oiçam a minha música de graça do que outro artista a pagar.

No entanto, é preciso perceber que se eu não vender discos não terei dinheiro para gravar discos novos (ou pagar a renda, ou comer), por isso toda a ajuda é importante. O principal problema não é o tipo que saca a musica para ouvir – é aquele que saca 40 discos para coleccionar no computador e nem sequer os ouve.

GROUNDCAST O que tem ouvido ultimamente? O que recomenda de grupos novos?

CHARLES SANGNOIR Não tenho ouvido muitos artistas novos, não tenho paciência para hypes e ando normalmente demasiado ocupado com a minha música. Tenho ouvido Serge Gainsbourg, Amanda Palmer e Paramore. Recomendo também Aires Ferreira, Advent Mechanism e Espelho Mau. Quem goste de metal tem mesmo que escutar Martelo Negro (sim, muitos são artistas da minha editora – o que acontece é que quando gosto muito, edito)!

GROUNDCAST Agradeço demais pela oportunidade de entrevista. Agora deixe seu recado para os nossos leitores do Groundcast.

CHARLES SANGNOIR É uma honra e um prazer enorme falar para a terra do samba e do candomblé – não acho que Portugal e Brasil devam ser países irmãos: devem ser, sim, países amigos – os irmãos andam sempre à bulha, os amigos não.

Vão escutando Chanson e chateiem as vossas distribuidoras e agentes – quero ir aí começar a revolução!

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Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.