O que define o EBM?

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Dentre os estilos derivados do industrial, talvez o mais popular seja a Electronic Body Music, ou simplesmente EBM. Por ter um lado muito dançante, marcado por batidas mais pop, uma imagem fortemente militar e a sua deturpação pela cena gótica fizeram com que ganhasse uma fama muito grande, talvez maior do que seria esperado.

Por isto, hoje uma das lutas dentro do gênero é o de se resgatar a sua identidade, o seu público e tentar se manter sem a necessidade de ser “incorporado à força” por uma cena que não é a sua. Vamos conhecer um pouco do seu surgimento, queda e reinvenção.

 Origens e paternidades

Kraftwerk
Kraftwerk é um dos grupos mais importantes do krautrock

Vamos primeiro conhecer quem foram os avôs e avós, pessoas, trabalhos e projetos que iniciaram toda a trajetória para que a Electronic Body Music pudesse existir. Voltemos à década de 70 e, quando surge na Alemanha um movimento cultural chamado krautrock.

O país passava por um período de intensa miséria, logo após a Segunda Guerra Mundial. Por aqueles lados predominava um estilo conhecido como Schlager, muito popular na Europa e com um público bastante cativo em terras germânicas. Consistia de músicas mais romantizadas, com letras que falavam de amor em sua maioria. Os jovens deste período não gostavam deste tipo de música, acreditavam que ela não refletia a situação social em que viviam, queriam algum movimento que mexesse com o país, que mostrasse o quanto eles estavam revoltados.

Paralelamente, também não queriam o rock, uma vez que este era símbolo da dominação inglesa, queriam algo novo. Com o uso dos recentes sintetizadores, cujos custos eram altíssimos e a adoção de formas não-convencionais de se fazer música, originárias da Musique Concréte francesa, uma música eletrônica, que não era parecida com o rock britânico e nem com nada feito anteriormente, ganha forma. Sob a alcunha de krautrock, termo pejorativo com origem na Segunda Guerra Mundial, iniciou-se a primeiro grande revolução na música popular depois do rock.

O Kraftwerk era um dos grupos de artistas de krautrock.. Formado inicialmente por Florian Schneider-Esleben e Ralf Hütter em Düsseldorf, Alemanha, mais tarde contando com outros integrantes, eram os ex-alunos do grande músico Karlheinz Stockhausen, compositor erudito que utilizava dos avanços da música concreta para a criação de ritmos musicais, cuja influência se estende a artistas como Beatles e Björk.

Foram estes alemães os primeiros a definir as bases da música eletrônica moderna, compondo seus grandes sucessos em sintetizadores analógicos de oito bits, os mais avançados da sua época. E com base neste tipo de música, sem instrumentos “orgânicos” que foi surgir, no final dos anos 70 e início dos anos 80, na Inglaterra, um estilo conhecido como synthpop.

O synthpop aparece como uma revolta contra o rock e a necessidade de fazer música com instrumentos e técnicas complexas. Com o barateamento dos sintetizadores e a sua popularização fez com que novos músicos surgissem, tornando-se “orquestras de um homem só”.

Contudo, uma década antes, o Throbbing Gristle também vem bagunçar a indústria cultural. Trazendo a contestação punk e a destruição das convenções musicais mais tradicionais, o projeto liderado por Genesis P-Orridge faz uso de ruídos, sons pré-gravados, distorções e constrói uma sonoridade vanguardistas, mais tarde conhecida como música industrial.

Sem estes caras, o EBM não teria surgido
Sem estes caras, o EBM não teria surgido

Front 242 e o termo Electronic Body Music

Numa entrevista dada por Ralf Hütter, ao explicar o lado mais físico do disco “The Man-Machine” do Kraftwerk, lançado em 1978 surge o “Electronic Body Music”. Era o conceito de homem-máquina sobre o qual o disco se valia, construindo o processo de desumanização e incorporação do ser humano aos objetos mecanizados.

O grupo belga Front 242 retomou o termo com o EP “No Comment”, lançado em 1984. O trabalho, segundo o grupo, era algo que estava entre o Throbbing Gristle e o Kraftwerk, ou seja, misturava a techno music com o industrial, num ritmo dançante. Nascido na Bélgica, o grupo começa em 1981, influenciado pelos conceitos da música concreta de Edgard Varèse.  A ideia deles era criar os sons a partir de formas definidas, partindo para uma experimentação que divergia do que era produzido na época dentro da música comercial.

Só com o lançamento do disco “No Comment” é as bases do gênero foram dadas, com a imagem ligada ao militarismo (herdado dos grupos da Industrial Records, sobretudo Throbbing Gristle), a batida simples 4/4 (usada em muitas composições populares até hoje) e samplers do synthpop inglês. Com o hit “headhunter”, emplacaram uma nova sonoridade, mais acessível e inovadora para a época, seguida por outros grupos, como Nitzer Ebb, Bigod 20 e Pouppée Fabrikk.

O Skinny Puppy ainda é um dos maiores nomes do Electro-Industrial
O Skinny Puppy ainda é um dos maiores nomes do Electro-Industrial

Do Electro-Industrial ao Dark Electro: a desconfiguração

Bandas como Skinny Puppy, Leather Strip, Die Form (em uma das suas fases), The Klinik tiraram a estrutura minimalista e mesclavam sons ríspidos, vocais digitalizados, o uso (ainda que restrito) de guitarras e batidas rápidas, velozes. Era o começo do Electro-Industrial, vindo de uma nova experimentação, abandonando o lado dançante e incorporando a agressividade do electro e do rock.

O gênero ganhou mais destaque nos anos 90, com os grupos Android Lust, Velvet Acid Christ , Haujobb, In Strict Confidence (primeiros trabalhos), :wumpscut:, entre outros. As misturas iam ficando maiores, aproximando-os de outros gêneros eletrônicos, tais quais o Hard Techno, o Trance e o Electro foram mais proeminentes. Outros iam se aproximando mais do darkwave e de algumas formas mais agressivas de EBM, originando o Dark Electro.

Pode-se também destacar o surgimento de uma onda que foi chamada de Terror EBM, mas o termo não vingou, pois se tratava do electro-industrial visto de uma outra forma, ainda mais agressiva. Surge também o termo Harsh-EBM, que também não vingou e o Aggrotech, que ainda é forte para alguns fãs, mesmo não se tratando de algo novo ou diferente. Serve para agrupar trabalhos com temáticas mais agressivas, como guerras, violência sexual, assassinatos, entre outros. Essa segunda onda de trabalhos foi marcada pelo surgimento do Suicide Commando e teve sua continuidade com o Aesthetic Perfection, Hocico, Dulce Liquido, Tactical Sekt, Amduscia, Agonoize, Combichrist, Unter Null etc.

O já citado dark electro, por outro lado, é uma vertente mais “gótica” do electro-industrial, influenciada por Psytrance, Techno e Hard Techno, soando muito mais sombrio e obscuro. Rapidamente ganha popularidade dentro da cena gótica. Incluem-se aí o Heimataerde, Das Ich, Terminal Choice (após o disco “In the shadow of death”), Electric Hellfire Club (trabalhos mais recentes) etc.

É preciso entender que o Dark Electro e o “Aggrotech” são contestáveis como gêneros distintos. São direcionamentos temáticos, vindos da mesma base, de fácil aceitação e sem nenhuma ligação com suas raízes industriais, seguindo o mesmo caminho do rock e do metal industrial.

Container 90 é uma das tentativas de resistir à massificação gótica
Container 90 é uma das tentativas de resistir à massificação gótica

O Anhalt EBM e a tentativa de reapropriação

Na Alemanha um conjunto de artistas, inconformados com o quanto a cena gótica havia feito com o EBM, resolveu começar um movimento, onde resgatariam aquela sonoridade minimalista dos anos 80. Também misturariam o punk Oi!, o electro-punk, além de uma imagem e uma identidade que pode facilmente ser confundida com skinheads e neonazis, embora os grupos se declarem apolíticos, na maior parte das vezes. É essa aproximação com o punk, o “faça você mesmo” que trouxe de volta o gênero, dando um gás novo.

Recebeu o nome de Anhalt EBM por ter surgido na cidade alemã de Anhalt e se espalhou pelo resto da Europa, contando com bandas como Container 90 (Suécia), Sturm Café (Alemanha), Tyske Ludder (Alemanha), U.M.M. (Portugal), entre outras. Estes trabalhos resgatam as raízes clássicas do gênero, mesclando-as com o street punk e trazendo de volta a identidade. Era a resposta à apropriação indevida pelos góticos ao EBM, contando com o apoio de selos como Black Rain e o Electric Tremor Dessau.

AD:keY é um dos grupos que mais participam dessa renovação da cena EBM
AD:keY é um dos grupos que mais participam dessa renovação da cena EBM

 A cena

Falar de uma cena é muito complicado. Na Europa, sobretudo na Alemanha e na Bélgica, ainda temos uma cena EBM forte, que divide espaço com a cena gótica e algumas vezes estas se conflitam. Fora deste eixo, em países como Portugal e Espanha, a cena é muito pequena, restrita a poucas pessoas e a poucos grupos, muitas vezes tornando-se muito mais uma reunião entre amigos.

Existem poucos festivais europeus para o estilo, o mais famoso é o Familientreffen, onde o foco é no EBM Oldschool e no Anhalt, voltado para um público não-gótico e não-metal. Contudo, eventos como a Gotik Treffen e o Castle Party sempre trazem bandas de EBM para seus shows, da mesma forma que fazem com os shows de metal.

Fora da Europa existem pequenas cenas, não mais que meia dúzia de indivíduos em alguns locais. Normalmente o que se toca de EBM fica restrito a casas para góticos, onde os EBMers precisam dividir espaço. Deste modelo surge a falta impressão que o gênero faz parte da cena gótica.

No Brasil a situação é muito parecida. Temos pouquíssimos grupos de EBM e não temos eventos dedicados ao estilo. As casas noturnas góticas é que acabam sendo responsáveis pela divulgação do estilo, muitas vezes mesclada com electro-industrial e seus derivados. Não existe, de fato, uma cena para o EBM, muito menos uma reunião de amigos que possam movimentar alguma coisa. Também não temos muitos grupos, o que causa, sem dúvidas, uma falha grande para a criação de um público que queira ouvir o electronic body music.


Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.