Ser ofensivo ou não ser: eis a questão

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Ou como ser extremamente pedante e chato com coisas que não tem nenhuma relação.

Uma coisa é certa: incomodar os outros e tirá-los de sua zona de conforto é uma tarefa ingrata, seja de forma positiva ou negativa. E os mineiros do UDR sempre fizeram isto, usando de piadas de mau-gosto, expressões violentas e um humor doentio, que não é facilmente digerível. Fazem algo pelo underground, que é rir dos absurdos incomensuráveis de suas composições, cuja qualidade duvidosa juntou quase 40 mil pessoas em sua fanpage oficial até a data de publicação deste texto.

Saiu no dia 09 de junho de 2016, no portal Uai a condenação na primeira instância por incitação de estupro e homicídio. O grupo foi acusado de incentivar as pessoas a cometerem atos ilícitos por falarem de estupro, de violência exagerada e outras coisas. Contudo, precisamos primeiro entender alguns problemas que este tipo de condenação pode trazer, sobretudo no que tange a ideia de incitação.

Incitar alguém a alguma coisa é um crime previsto em lei. Incitar, dentro de uma concepção dicionaresca, significa incentivar ou estimular alguém a fazer algo. Em termos de lei, seria o mesmo que alguém convencer de que é certo fazer atos vão contra a concepção moral estabelecida socialmente. Isto inclui assassinato, estupro, corrupção de menores e outras coisas. Só que em algum momento alguma letra do UDR evidentemente cita, de forma deliberada, que estuprar alguém é algo legal? Algum fã saudável de UDR, dotado da razão e do discernimento, saiu ou teve desejo de sair por aí para reproduzir os comportamentos nocivos ao meio social?

Incitar, portanto, é um problema sério. Dá a entender que as pessoas não são dotadas de julgamento, são incapazes de discernir entre o certo e o errado e, porque não, necessitam que alguém as diga que o conteúdo das letras não é real. É o mesmo tipo de julgamento que se poderia fazer de uma pessoa que joga GTA V, com o agravante de que no jogo a pessoa VIVENCIA, ainda que dentro de um ambiente controlado, as ações de criminosos, que são agressivos e cometem diversas infrações sociais. Ou mesmo um livro como 120 dias de Sodoma, do Marquês de Sade, que ainda por cima pode ser vendido para crianças, por não precisar ser classificado por faixa etária e retrata o cotidiano sádico de políticos franceses que cometem pedofilia e algumas escatologias com menores de idade.

Voltemos a incitação. Para que alguém seja incitado a algo, é preciso considerar uma série de variáveis. Não é uma letra de música, não é um filme, não é um seriado e não é uma mídia que vai forçar alguém a fazer alguma coisa. Porque entrando neste mesmo mérito tem um funk da K-Trina Erratik que se encaixa exatamente na mesma ideia:

Isso inclusive seria passível, se levado exatamente ao pé da letra, como uma premeditação de crime contra religiosos, como o Silas Malafaia e o Jair Bolsonaro. Dentro do contexto, contudo, a letra é uma forma agressiva de ir contra um antigo projeto chamado de “cura gay”, na qual uma pessoa poderia se submeter a um procedimento psicológico para deixar de ser homossexual. Considerando que não existe nenhuma base cientifica para tal, seria apenas mais um trabalho com o intento de desmoralizar os movimentos que buscam direitos iguais dos e das homossexuais, colocando sua opção sexual como uma doença a ser tratada.

Eu pessoalmente gosto muito do Hecate. Mas, pela mesma lógica, a letra deles incita que você violente mulheres virgens, pois:

A lâmina penetra

em sua carne fresca

Você não precisa temer

Seu espírito pertence as sombras

Você ficará livre

Liberta de sofrimentos

Deixe se ir ao encontro de Satã

Este é um dos trechos e a música é a descrição de como seria um ritual satânico com sacrifício humano. Claro que quem escuta a música e conhece a banda sabe que este tipo de coisa não é para ser levada a sério e é feita com o único propósito de ser ofensivo. E é esta a definição para o que o UDR pode ser classificado: como um grupo ofensivo, com letras voltadas a um humor doentio, que mexe com tabus sociais.

Não existe a intenção de ser preconceituoso, de atacar grupos minoritários. Basta notar que uma das coisas que precisa ser analisada é o teor satírico, um deboche que escarnece ao limite, indo na contramão das convenções do politicamente correto e do que é aceito pelo senso comum, constituído hoje na extrema necessidade narcisística de proteger grupos minoritários. Só que é ERRADO considerar qualquer coisa como ofensiva, como se estes grupos não pudessem lidar com isto. Ou ainda, tratar como uma forma de censura algo que não tem o intento de ofender diretamente essas pessoas.

Uma justiça que não enxerga que isto é uma ameaça velada de estupro, mas condena uma brincadeira absurda de mau-gosto pede para não ser levada a sério. Aqui houve uma intenção muito clara de colocar a pessoa em um grau de inferioridade e que ela, por não estar adequada aos padrões de beleza esperados pelo deputado, não seria “agraciada” com um estupro. Este é um tipo de pensamento que incita a violência, pois existe materialidade, existe uma representação real e é dita em um contexto de comunicação.

Por isto ser ofensivo não é o mesmo que incitar a violência. As pessoas podem se ofender com qualquer coisa e é direito delas se sentirem ofendidas, mesmo que represente uma bobagem das grandes. Tem gente que se ofende com relacionamento alheio por serem de etnias diferentes. Tem quem odeie as segundas-feiras. Quem se influencia somente por uma mídia é, conforme muito bem dito por um professor do meu Mestrado, uma pessoa sem nenhuma autonomia intelectual. E sem ela essas pessoas não vão muito longe não.


Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.

One Comment

  1. Nunca me interessei pelo UDR “musicalmente”, mesmo que desde o primeiro momento em que os ouvi, tenha considerado a proposta “provocativa” interessante (claro, não diferente de determinados grupos ou estilos de cunho provocativo).
    Eu, sinceramente, não consegui acreditar de pronto, ao lê-lo. Mesmo se tratando do “Brasil Varonil”, a má interpretação disto, alcança tamanho contexto cômico, que chego a questionar a sanidade dos “acusadores”.

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