O blog American Aftermath entrevistou recentemente os responsáveis pelos projetos :STALAGGH: /: GULAGGH:. Confira logo a seguir a tradução na íntegra daqueles que foram considerados os músicos mais extremos do mundo. Antes de vocês lerem, algumas explicações sobre os dois projetos.
Eles são obscuros o suficiente para que não se saiba quem são os seus idealizadores, onde gravaram e até mesmo seus nomes são mantidos em segredo. Foram considerados pelo site NME como a banda mais extrema e inaudível do mundo, uma vez que utilizou como vocalistas para seus trabalhos doentes mentais, crianças com problemas mentais e mulheres com distúrbios pós-estupro. Tudo isto misturado com um Harsh Noise decadente, construído dentro de uma estrutura de black metal e ressaltando toda a futilidade da vida humana e a dor sofrida pelos seus vocalistas. Ao longo da entrevista estarão os vídeos relacionados aos projetos e aviso, de antemão, que são extremamente perturbadores para os que não estão acostumados. É possivel dizer que os projetos recriam uma atmosfera quase rimbaudiana, descrita no seu livro “Uma temporada no inferno”, onde as cacofonias, as loucuras, os medos e os sofrimentos ganham som e se materializam para quem escuta os projetos : STALAGGH: /: GULAGGH:.
A existência é fútil: Entrevista com :STALAGGH: /: GULAGGH:
Seu trabalho é considerado controverso por alguns. Como você encara isso, e como você se sente sobre como se tornar um tema de debate?
Apreciamos o fato de que as pessoas nos considerem controversos, pois isso as torna interessadas em ouvir os nossos Projekts [NOTA DO TRADUTOR: esta é a forma como eles se referem aos seus trabalhos] e assim podemos penetrar em suas mentes fracas com a dor e medo. Nós não rotulamos os nossos próprios Projekts. Quanto mais pessoas discutirem sobre os nossos Projekts, mais a nossa mensagem e nosso Terror-Auditivo se espalhará e assim seremos bem-vindos.
O que fez vocês decidirem lançar os discos do :STALAGGH: e: GULAGGH: como trilogias? Pode explicar o conceito por trás de cada?
Cada :projekt: tem o seu próprio conceito e atmosfera. Nosso primeiro trabalho é chamado de :PROJEKT NIHIL: e representa o niilismo, mostrando ao ouvinte que sua existência é inútil.
Nosso segundo é chamado :PROJEKT TERRROR: (a ortografia errada é intencional) e seu principal objetivo é aterrorizar o ouvinte, sendo muito mais agressivo e perturbador que seu antecessor. O :PROJEKT MISANTHROPIA: é tudo sobre o ÓDIO emocional e psicológico para com a vida e a humanidade. Os sons devem refletir e canalizar a misantropia para o ouvinte, despertando e fortalecendo estas emoções.
Também terão três projekts do :GULAGGH:. O primeiro, Vorkuta, foi lançado no ano passado e agora estamos trabalhando em Kolyma, que será seguido por Norilsk. Estes são os nomes dos piores campos gulag na União Soviética, que foram localizados ao norte do círculo ártico. Não há nenhuma razão específica para serem trilogias.
Durante a gravação do :PROJEKT MISANTHROPIA:, o terceiro e último álbum do :STALAGGH:, houve alguma sequência pré-determinada, ou tudo foi determinado espontaneamente pelos pacientes?
O :PROJEKT MISANTHROPIA : foi gravado em três partes. Dessa vez usamos as vozes de sete doentes mentais, mais do que havíamos usado antes.
A primeira parte é a camada base e que foi gravada numa fábrica abandonada. Este edifício não era usado por mais de 30 anos e ele seria demolido algumas semanas mais tarde. Nós (todos os membros do :STALAGGH:, inclusive os doentes mentais) tínhamos permissão para destruir tudo o que estava lá dentro. Este local era realmente perfeito. No interior existiam máquinas antigas apodrecendo, camadas e mais camadas de poeira e detritos, além dos corpos mumificados de pássaros e ratos em toda parte. Quase não havia luz lá dentro e o ar era poluído e intoxicante. Colocamos vários microfones por todo o edifício e começaram as sessões de gravação. Enquanto evocávamos todos os nossos sentimentos de ódio e medo, estávamos completamente frenéticos e esmagando tudo em pedaços. Esta sessão demorou cerca de três horas.
A próxima gravação foi dos vocais, cujo local foi a capela de um antigo mosteiro que não estava mais em uso. A acústica e atmosfera eram perfeitas para a gravação dos uivos e gritos dos deficientes mentais. Foi muito difícil conseguir acesso a ela, mas dissemos ao proprietário que estávamos fazendo uma espécie de “terapia do grito” para os doentes mentais e, finalmente, ele nos deu permissão.
Durante várias horas todos os sete pacientes mentais gritaram toda a insanidade, dor e medo, enquanto os sons gravados anteriormente na fábrica eram tocados ao fundo.
Na 3ª parte houve a adição de elementos de black metal e alguma estrutura e efeitos, mas nenhum riff foi escrito previamente e as partes eram improvisadas diretamente enquanto escutávamos as gravações anteriores.
Vocês se sentem ofendidos quando os críticos associam: STALAGGH:: GULAGGH: com o termo “noise artist”?
Não gostamos de sermos chamados de qualquer forma de artista. A arte é criativa, nós somos destrutivos.
Uma resposta a sua música que realmente me impressionou foi a de “nunca antes deste trabalho o medo foi devidamente transmitida em um álbum.” Criar esta atmosfera foi a intenção de vocês?
Consideramos um elogio verdadeiro sobre o nosso trabalho, porque isso é exatamente o que queremos alcançar com os nossos Projekts. Queremos transformar a dor e o medo em som e torná-lo real para o ouvinte.
Os elementos musicais de: STALAGGH: e: GULAGGH: são bastante escassos, mas cheiram à black metal. Consideram este projeto como alguma coisa dentro do gênero black metal?
Não, embora alguns de nossos membros façam parte de bandas de black metal e alguns dos nossos conceitos e expressões sejam próximos dele, certamente não nos rotulamos como de Black Metal. Tocamos o ‘Nihilistik Misanthropik Audio-Terrror’.
Há muita especulação que, coletivamente,: STALAGGH: /: GULAGGH: é formado por experientes músicos de black metal. Existe alguma verdade nisso?
Sim.
O black metal é relevantes para a música que criam ou vocês consideram que seja algo distante, algo único?
Black Metal é certamente relevante para o nosso som, porque é a severidade e a frieza realmente se encaixam em nosso conceito. Misturamos com Drone, Noise e Ambient para obter toda a gama de emoções negativas.
A arte do vídeo feita pelo Mortis Rigor para o: PROJEKT TERRROR: é muito diferente daquela que Jeroen van Valkenburg fez para as capas dos discos do : STALAGGH:. O que fez com que quisessem usar as artes destas duas pessoas
Tínhamos visto alguns dos vídeos com os trabalhos anteriores do Rigor Mortis e ficamos realmente impressionados com a maneira como ele fundiu imagem com o som. Ele também entende realmente o que são os nossos projekts, por isso sabíamos que era o único que deveria fazer o vídeo para: PROJEKT TERRROR:.
Dissemos a ele qual parte da gravação queríamos que virasse um vídeo e lhe demos carta branca. Levou três meses para criar o vídeo. Ele usou cenas velhas de guerrae criou compôs sozinhos algumas imagens. Estamos muito satisfeitos com o resultado. Em 2000, quando havíamos registrado o: PROJEKT NIHIL: procurávamos uma arte de capa que realmente se encaixasse em nosso som e conceito. Enquanto procuravamos na internet pela arte certa, deparamo-nos com a obra de Jeroen, que tinha acabado de terminar uma pintura chamada “Chiaroscuro” e imediatamente sabíamos que tinhamos encontrado o cara certo. O rosto que ele pintou tinha um olhar muito triste e vazio, que transmitia simplesmente o niilismo. Por isso pedimos a ele se podíamos usá-lo para o lançamento do nosso primeiro projekt. As capas para os outros projekts ele fez especialmente para nós.
São os diferentes estilos artísticos propositadamente um produto dos conceitos dos álbuns ou refletem a intepretação que os artistas fizeram da música?
Ambos. Pedimos ao nosso artista principal, Jeroen van Valkenburg, para pintar uma impressão direta do nosso som, mas dissemos de antemão o conceito principal de cada projekt. Enquanto pintava, ele ouviu nosso projekt para obter a atmosfera certa. Estamos muito satisfeitos com o resultado.
Vocês são notórios por seu trabalho com os mentalmente insanos. O que esses pacientes podem prover que os outros vocalistas não podem? Foram todos os membros do :STALAGGH: ou :GULAGGH: envolvidos na gravação de voz também?
Temos usado doentes mentais em todas as nossas gravações. Queremos que a dor e o sofrimento nos vocais para sejam reais e não atuados. Um dos nossos membros trabalha em uma instituição para doentes mentais na Holanda, pois esta é a forma como temos acesso e permissão para gravar. Todos os pacientes que trabalharam conosco deram total permissão por escrito. Um dos pacientes, que sofre de esquizofrenia, até fez o desenho usado na capa do cd Pure Misanthropia.
Alguns dos pacientes foram autorizados a deixar a instituição por alguns dias para gravar com a gente, outros vivem por conta própria sob a orientação. Eles não são retardados, mas elas sofrem de doenças como esquizofrenia, psicose, transtorno de personalidade limítrofe, síndrome de personalidade múltipla etc. Alguns deles são muito mais inteligentes do que pessoas normais.
Não pense no: STALAGGH: /: GULAGGH: como um grupo de amigos ou algo assim. Temos um núcleo estável de indivíduos que compartilham a mesma ideologia e objetivos, estes poucos indivíduos formam a essência de :STALAGGH: /: GULAGGH:, mas cada Projekt teve uma formação diferente. Para cada um deles usamos diferentes doentes mentais para fazer os vocais. Apenas dois dos doentes mentais que gravaram no :STALAGGH: fizeram parte do :GULAGGH:. Alguns dos membros também forneceram vocais em várias projekts.
Para o primeiro :GULAGGH: usamos mais de 10 músicos e mais de 40 vocalistas. Usamos os vocais de cinco doentes mentais, mas também de mulheres que foram estupradas e ex-prostitutas, além de cerca de 30 crianças de um hospital para jovens doentes mentais que sofrem de todos os tipos diferentes distúrbios. Levamos quase um ano para obter permissão para gravar os gritos das crianças. Deram apenas uma hora para gravarmos lá, mas estamos muito satisfeitos com os resultados.
Como é o seu processo de gravação e o que difere em cada projeto? Houve muitas acusações de crueldade e imoralidade no que diz respeito ao uso de pacientes como vocalistas. Como funciona este processo? É uma experiência catártica para estes indivíduos ou um tortura?
O processo de gravação foi diferente para cada projekt, mas a forma como usamos os doentes mentais é praticamente a mesma.
ecidimos que um vocalista de normal de black metal não era o que estávamos procurando. Precisávamos de humanos com uma doença mental real. Somente alguém em constante dor mental ou com uma agressão homicida poderia fornecer os vocais para o nosso “Audio-Terrror”.
Temos sempre contato tudo aos vocalistas que participam nos nossos projekts. A maioria deles concorda com nossa ideologia. Sua doença mental os faz odiar os humanos e sua sociedade. Por isso, não é difícil convencer a se tornar parte do nosso projekts
A mente de um perturbado mentalmente é muito mais interessante do que as mentes de pessoas sãs. Viver em constante medo e dor faz com que a alma se encha de ódio e desespero e lhes dá visões dos reinos das trevas e da morte. Para aquelas pessoas essas imagens parecem reais. É por isso que usamos loucos reais como vocalistas. Eles podem transferir seu sofrimento mental para o som do : STALAGGH: e podemos espalhar o seu desespero e medo para as mentes de muitos outros e fazê-los com que estes se tornem real para eles também.
Vários deles disseram que gravar conosco foi a melhor terapia que já tiveram. Eles poderiam liberar todas as suas dores, medos e frustrações gritando.
Vocês esperaram um ano para receber a permissão para gravar dentro de uma instituição para crianças. Por que isso foi um elemento tão importante para o projeto?
No campo de Gulag Vorkuta havia muitas mulheres e crianças, por isso foi muito importante para nós usá-los para a gravação de Vorkuta. Os gritos de mulheres e crianças criam uma atmosfera completamente diferente. As mulheres que usamos são “mulheres mentalmente danificadas”, vítimas de estupro e ex-prostitutas. Foi uma experiência realmente fascinante trabalhar com eles. Eles gritaram todas as emoções negativas que ficaram guardadas por tanto tempo.
Você pode explicar o seu conceito do Holocausto Global e sua relação com o :STALAGGH: e :GULAGGH:?
O GH final dos nomes : STALAGGH: e: GULAGGH: representam o ‘Holocausto Global’ (Global Holocaust, no original). Com os projekts fizemos impressões audíveis da dor e do sofrimento dos campos de Gulag e Stalag e com nossos lançamentos queremos espalhá-los globalmente.
Holocausto globais certamente não foram os únicos conceitos. O conceito mais importante do nosso trabalho é transformar a dor e o medo em som.
A origem de: GULAGGH: são os campos soviéticos Gulag. Por que isso é uma questão importante para vocês? É uma parte de sua mensagem global?
Para :GULAGGH: queríamos um som totalmente novo. Não faz sentido repetir o que fizemos com: STALAGGH:. Quisemos recriar a dor e o sofrimento dos prisioneiros Gulag com os sons de instrumentos clássicos (violinos, trompetes, violoncelo, piano, saxofones). O cd começa com um discurso de Stalin, ordenando que seus inimigos sejam enviados para os campos.
Os instrumentos clássicos deram a atmosfera perfeita para a frieza e a desolação destes campos. Todos os instrumentos foram tocados por profissionais que entenderam o nosso conceito. Foi muito difícil para eles não desempenhar o seu instrumento como estavam acostumados, tiveram que deixar tudo o que tinham aprendido e apenas transformar seus medos e dores em som.
Os campos de concentração alemães e os campos soviéticos Gulag eram locais de medo, morte e desespero, assim que eles se encaixam nosso conceito e ideologia muito bem. A maioria das pessoas associam esses campos com as emoções mais negativas e com os nossos projekts queremos trazer esses sentimentos para a mente do ouvinte.
Como está na produção de Kolyma, e o que fez vocês decidiram trabalhar com pessoas surdas?
Para Kolyma vamos usar instrumentos clássicos de novo, mas ele terá um som realmente diferente e uma abordagem diferente em comparação com Vorkuta. Kolyma vai ser muito mais bombástico no som. Queremos usar com uma orquestra completa neste momento. Como vocalistas nós queremos usar pessoas que nasceram surdas. Seus gritos são quase animais, pois nunca ouviram sua própria voz. Outra coisa interessante é que eles não vão ouvir os gritos dos outros, por isso vai ser muito mais caótico. Em nossas gravações anteriores os portadores de transtornos mentais reagiram um ao outro, dando um sentido ou ordem. Queremos evitar isto desta vez. Temos feito alguns testes de gravação para Kolyma até agora. Vamos gravá-lo no próximo ano.
Haverá outra trilogia ou conceito após a conclusão do terceiro: GULAGGH: álbum?
Não. Depois que terminar o :GULAGGH: projekt vamos deixar de existir.
Obrigado pelo seu tempo, mais alguma coisa que gostaria de acrescentar?
Para os interessados: A maioria dos nossos lançamentos podem ser encomendados aqui: neweraproductions@email.com
Existência é inútil …
Fonte: American Aftermath
Tradução e adaptação: Fabio Melo
Gostei do som deles! De começo é estranho, mas eles conseguiram transformar dor e medo em música.