Katre: “Não existe uma atividade nossa que não seja política.”

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Provavelmente sou o maior fã de pós-rock do Spotify (já dei curtir em quase todas as bandas do estilo), mas, infelizmente, nunca entrevistei nenhuma banda desse gênero. Para consertar meu erro, Groundcast traz para vocês Katre, um excelente grupo de post-rock da Turquia. E começando nossa conversa, por favor, explique um pouco sobre suas histórias na música e a história da banda.

Hasan: Olá, eu me chamo Hasan e sou guitarrista da banda Katre. Se puder começar com uma correção, diria que o Katre é uma banda de Berlim, que tem características transnacionais. Şah Cihan (sintetizadores) e Okaner (bateria) vivem na Turquia. Özgür (baixo) e eu em Berlim. Posso entender totalmente a confusão porque, com um elenco um pouco diferente para o primeiro álbum, era mais fácil dizer “… uma banda da Turquia”. Hoje esse argumento não se sustenta 😉

Katre é uma banda que reúne, em primeiro lugar, bons amigos, que são ao mesmo tempo músicos muito talentosos. Conheci Şah Cihan com 13 anos, acho, às 4 da tarde na praia, onde estava tentando tocar e cantar Fade to Black do Metallica. Ele é mais velho do que eu e me apresentou à sua biblioteca de música. Eu estava literalmente pegando qualquer fita cassete das prateleiras, tocando e se eu gostasse de algo, levava para casa. Isso acontecia com bastante frequência. Era como uma biblioteca. Também discutimos muito os gêneros / abordagens musicais.

Aprendi sobre Symphony X, Shadow Gallery, Fear Factory, Bozzio Levin Stevens, Jason Becker e muitos mais graças a ele. Okaner era um amigo próximo do meu irmão, que tocou baixo em nosso primeiro lançamento. Nossos gostos combinaram instantaneamente com os de Okaner, pois sabia que ele tinha uma abordagem distinta para tocar e escrever música. Então ele estava a bordo de Katre.

A história do Özgür é muito engraçada. Depois do nosso primeiro lançamento, estávamos prestes a organizar uma mini turnê pela Europa, mas meu irmão não conseguiu devido a questões de visto / trabalho. Então, comecei a procurar um baixista aqui em Berlim. Özgür é um músico conhecido por estes lados e eu já tinha ouvido falar dele antes mesmo de fundar o Katre. Perguntei se ele estaria interessado em entrar para a banda. Ele disse que sim, mas também me ofereceu um posto como guitarrista em uma banda de heavy metal chamada Panzehir.

Eu estava procurando por um baixista, mas acabei fazendo parte de uma banda diferente, que tinha uma agenda lotada de shows. Tocamos juntos por 2-3 anos, tivemos uma experiência incrível e também lançamos um single / vídeo com a banda. Este ano, era hora de focar em Katre novamente. Então aí está nossa históriaJ

Uma das mais notáveis ​​em sua música são as influências da música oriental, com algumas escolhas composicionais e alguns instrumentos típicos (a música com Erkan Oğur é uma das mais belas de post-prog que já ouvi nos últimos anos). Como a música oriental é influente e importante para você?

HASAN: Obrigado. Erkan Oğur é realmente um grande músico e uma grande inspiração para mim. Somos muito gratos por sua contribuição no álbum Encounters, o primeiro lançamento nosso. Todos os quatro membros cresceram com música oriental, ela tem um papel muito importante. Isso é inerente a tudo o que produzimos. Por exemplo “Now on the Continent”, a quinta  faixa do nosso segundo disco, Behind the Resilience. Süleyman Çelik, um grande músico de Berlim, tocou percussão (obrigado Süleyman !!!)

O que influencia sua música e você? Ouvindo seu primeiro trabalho, notei algumas nuances de Explosions in the Sky e Goodspeed You! Black Emperor, ainda com o uso extensivo de drones e partes acústicas lindas e encantadoras.

HASAN: Agradecemos suas observações. Em termos de influência, há muito a dizer. Musicalmente, todos os quatro membros têm um denominador comum, rock e metal progressivo. Acho que álbuns seminais como Dream Theater – Scenes from a Memory ou Pain of Salvation – Remedy Lane influenciaram a maneira como interpretamos a relação entre histórias e melodias. As histórias decorrem de para onde nosso mundo está indo, bem como do comportamento humano, por exemplo, ganância, vontade de poder, etc.

E o nome de Katre? O que isso significa para você? Na sua biografia, vocês dizem que significa “gota” e a metáfora sobre “uma gota no oceano” e, para mim, é tão comovente, porque acho que todo mundo sozinho é apenas uma gota, mas juntos são uma força enorme da natureza .

HASAN: Exatamente! É assim que interpretamos no nosso nome. Uma única gota neste oceano da vida, neste infinito.

Uma das coisas mais interessantes e recompensadoras é uma seção em seu site que conta a história por trás dos álbuns. Para mim, “Behind the Resilience” é uma das visões mais cruéis e otimistas sobre a crise dos refugiados (e que permanece com o controle do Talibã no Afeganistão e suas visões distorcidas sobre o Islã) e The Mermaid é, com certeza, o mais triste episódio sobre isso. Qual a importância de contar essas histórias por trás dos álbuns?

HASAN: Penso que sempre que alguém explora um determinado assunto, é importante começar por onde dói mais. Como você disse, a crise dos refugiados é um tema muito triste e cruel. Dói na gente ouvir as notícias, ver, por exemplo, o que acontece na fronteira com a Bielo-Rússia, relacionado com o controle do Talibã que você mencionou. Em algum ponto, você se sente desamparado porque, independentemente do que possa fazer, é difícil criar algo substancial. Então, para aliviar a dor e também para aumentar a conscientização, você escreve as histórias, envolve-as em torno da música instrumental, que é uma forma poderosa de comunicar como se sente sobre tópicos extremamente difíceis. Já mencionei isso uma vez em uma entrevista, e se me permite repetir – a música me ajuda a controlar minhas emoções quando é difícil para minha mente entender certos fatos. Espero que outras pessoas possam se conectar com esses sentimentos depois de ouvir nossos álbuns e ler as histórias.

E sobre essas histórias, “Behind the Resilience” mostra uma face mais política da banda porque as pessoas querem um lugar para morar e a guerra sempre detonou esse sonho. Qual a importância de se posicionar em temas como esse? Aqui no Brasil temos uma galerinha que diz que não dá para colocar esses temas na música e, para nós, não é bom.

HASAN: Sim, também ouço muito isso. “Não misture política com música” ou “futebol” ou “universidade” ou seja o que for. Acreditar nisso é ingênuo. Não existe uma atividade nossa que não seja política. “Encounters” é sobre o tema da existência. Acho que, nesse sentido, continuamos mostrando nossa face humana com Behind the Resilience.

Li que a banda está em Berlim, então vocês são todos imigrantes em um país estrangeiro, certo? Como são suas experiências de viver em um país ocidental e o (provável) choque cultural?

HASAN: Ótima pergunta. Özgür nasceu e foi criado em Berlim. Vim para a Alemanha há 11 anos. Ambos estamos fortemente inseridos no contexto do migrante. Para nós, acho que é como o futebol, jogamos muito bem os dois lados do jogo, ou seja, na defesa e no ataque. Podemos implementar nosso capital social e humano em vários cenários. Então, gostamos muito dessa multiculturalidade e não sentimos nenhum choque cultural ou similar, exceto nos primeiros meses na Alemanha. Şah e Okaner ainda moram na Turquia.

Essa é uma pergunta dolorosa e fique à vontade se não quiser responder … sobre preconceito. Meu irmão mora na Alemanha desde 2014 e enfrentou muito preconceito como imigrante brasileiro durante anos e acho que provavelmente você precisou enfrentar os mesmos problemas. Quão difícil é ser um não-europeu na Europa?

HASAN: Oh não, ótima pergunta. O preconceito está sempre presente. Com o tempo, aprendi a diferenciar quando alguém está mesmo ansioso para conhecer mais sobre sua cultura e começa a fazer boas perguntas. Essa pessoa basicamente não sabe nada sobre o seu passado e, para explorá-lo, precisa de algumas suposições. Nesses casos, fico pessoalmente mais relaxado e minhas respostas são mais aprofundadas. Mas também há casos em que eu literalmente escuto perguntas como “você come salsichas (ou mesmo batatas) na Turquia”? Vejo que não há outra maneira de responder, exceto sarcasticamente.

Depois, há aquelas situações extremas, como insultos racistas ou hostilidades ligados aos preconceitos. Pessoalmente nunca tive que lidar com isso, mas elas não devem ser toleradas em nenhum caso, não há explicação lógica para defender tais atos. Envie ao seu irmão, por favor, meus cumprimentos.

Somos um web zine de música brasileira e, com certeza, sempre perguntamos sobre grupos brasileiros. Você conhece algum? Você gosta de algum?

HASAN: Ainda escuto Sepultura, da época do Max Cavalera. Fora isso, Angra é um dos meus favoritos de longa data. Mas, infelizmente, não tenho conhecimento de outras bandas, o que é uma pena. Portanto, sinta-se à vontade para me recomendar seus grupos favoritos.

Agradeço a entrevista e agora é seu espaço para uma última mensagem aos nossos leitores. Manda bala!

HASAN: Foi tão bom ter essa entrevista com você. Aprecio muito que você tenha analisado as músicas, a história, juntou tudo e se conectou conosco. E esses agradecimentos também vão para nossos ouvintes. O álbum e a banda têm sido recebidos muito calorosamente, estamos honrados que resenhistas e ouvintes encontrem semelhanças com Tool, Pink Floyd, God is an Astronaut, Meshuggah e muitos mais. Fique seguro e tudo de bom!

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Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.