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Liderado pelo italiano Vittorio Sabelli, o Notturno mescla Depressive Black Metal com elementos clássicos, jazz e folk, destacando-se pelo uso expressivo do clarinete e arranjos acústicos melancólicos. Com trajetória em orquestras, jazz e projetos extremos, Sabelli cria uma identidade única, com letras que exploram solidão e desespero, refletindo atmosferas urbanas. Acompanhem a nossa entrevista com o líder, com muitas coisas legais sobre a cena, produção musical e bandas.
Faz tempo que não entrevisto bandas de Black Metal aqui, então fico sempre feliz quando uma banda realmente boa aparece para conversar. Para começar, você poderia contar um pouco sobre seu background musical e como chegou ao Notturno?
VITTORIO SABELLI: Olá, Groundcast! Obrigado pelo interesse no Notturno! Minha jornada foi um pouco incomum. Comecei tocando em uma banda marcial e um grupo de folk, e só depois entrei no mundo acadêmico do Conservatório. Depois de muito tempo tocando em uma Orquestra Sinfônica, acabei me envolvendo com o Jazz, o que me abriu portas para trabalhar com músicos incríveis da Europa e dos EUA. Tudo isso fez parte do meu caminho. Quando passei no teste para a Orquestra, eu trabalhava em uma fábrica, colocando óleo, gasolina e airbags em vans da Fiat. Enquanto fazia isso, ouvia Miles Davis, Beethoven e Slayer no meu walkman! Quando tive a chance de deixar aquele emprego, agarrei-a. Após doze anos e mais de 350 concertos pela Europa com a Orquestra, senti a necessidade de explorar novos mundos musicais e aprofundar minha própria linguagem, mergulhando em um estudo intenso de Jazz por mais de uma década. Essa experiência foi crucial para o nascimento do meu primeiro projeto extremo, Dawn of a Dark Age, pois me permitiu canalizar todas as minhas vivências musicais sem limites. Esse foi o primeiro passo que me levou a explorar novos territórios, que, ao longo dos anos, evoluíram para INCATNVM, A.M.E.N. e Notturno.
A primeira coisa que posso dizer sobre sua música é que é realmente linda. Geralmente, bandas de Depressive Black Metal têm poucas partes acústicas, geralmente como uma pausa da atmosfera sombria, mas me apaixonei pelas partes acústicas das músicas. Como você encontrou essa musicalidade?
VITTORIO SABELLI: Venho de uma longa carreira como clarinetista e ensino esse instrumento incrível há mais de vinte anos. Como o clarinete é um instrumento melódico, tentei dar ao Notturno uma vibe mais próxima da música de câmara, algo que não se costuma ouvir em outros projetos de Depressive ou Atmospheric Black Metal. O clarinete tem um papel fundamental no Notturno, assim como em meus outros projetos, porque o timbre único do corpo de ébano do clarinete é algo que não se encontra em nenhum outro lugar na música extrema. Fico feliz por ter feito do clarinete uma parte tão marcante desses projetos. E, junto com a voz expressiva e única da Kjiel, acredito que conseguimos nos destacar no cenário do Black Metal. Honestamente, esse é um dos maiores feitos que se pode alcançar: criar um som verdadeiro e impossível de copiar.
O que te influencia musicalmente? Bandas de DSBM geralmente têm uma influência muito grande (e excessiva) do Lifelover, mas sinto que, no seu caso, há também uma forte pegada de música clássica em suas composições e uma preferência por temas mais tranquilos, sem perder a melancolia.
VITTORIO SABELLI: Você captou bem minhas influências, que estão profundamente enraizadas na música clássica, no folk e no jazz. Ao misturar esses gêneros com elementos típicos do Black Metal, surgem meus projetos, uma combinação enriquecida com clarinetes, piano, instrumentos de corda e aquela atmosfera mágica que tento transmitir em cada trabalho. Lifelover e None foram grandes influências para o Notturno, especialmente no nível poético. Porém, ao compor, se percebo que algo soa muito parecido com o que já ouvi antes, mudo imediatamente a direção e busco novos caminhos. Quanto à melancolia, isso vem do Romantismo, período em que o clarinete teve um papel central na música de câmara e nas obras orquestrais. Tento trazer um pouco dessa atmosfera para as músicas do Notturno.
Gosto muito das letras de suas músicas, acho que são profundas por combinarem melancolia e a atmosfera imediata das cidades, numa mistura moderna e triste ao mesmo tempo. O que te influencia ao escrever essas letras?
VITTORIO SABELLI: Não tenho um método fixo para escrever letras ou compor. Na maioria das vezes, uma música começa com uma ideia no clarinete, talvez um arpejo ou uma frase curta. Mas cada música do Notturno nasce em circunstâncias especiais e durante momentos emocionais difíceis. É quando tento transformar esses sentimentos em uma história, trabalhando nela até que tudo faça sentido. Desespero, indiferença e solidão são os temas principais do álbum “Our”, assuntos delicados, mas infelizmente vividos por milhões de pessoas hoje.
Quando comecei a ouvir as músicas, percebi que conhecia a voz: era a Kjiel do Lifeless, banda que gosto muito. Como foi trabalhar com ela e, da perspectiva da Kjiel, como foi fazer parte do Notturno?
VITTORIO SABELLI: A Kjiel tem um jeito único de se expressar; dá para reconhecer sua voz entre centenas de cantores. Nossa colaboração começou quase por acaso. Vou contar um segredo: originalmente, gravei o que viria a ser Obsessions com um vocalista masculino. Mas, ao perceber que não estava como imaginei, arquivei tudo por mais de dois anos. Um dia, por acaso, encontrei o projeto em um HD antigo. Nem lembrava do nome original! Ao ouvir, soube imediatamente o que faltava: uma voz feminina. Alguns músicos me enviaram tracks da Kjiel (acho que com a banda Eyelessight), e assim que a ouvi, entrei em contato e enviei as músicas. E então… ela desapareceu! Sumiu por três meses. Quando estava prestes a procurar outra pessoa, ela voltou com todas as vocais gravadas. No momento em que ouvi seu primeiro suspiro na track, soube que tínhamos algo especial. Essa conexão nos levou a três álbuns até agora. Honestamente, o Notturno não existiria sem a Kjiel.
Poderia falar um pouco sobre a produção de ‘Our’? Gostei muito por ser simples, mas muito bem feita.
VITTORIO SABELLI: Stefan Traunmüller é meu braço direito há anos e é o responsável pelo som não só do Notturno, mas de todos os meus projetos (Dawn of a Dark Age, INCATNVM e A.M.E.N.). Ele consegue dar à minha música exatamente o que quero, sem que eu precise explicar. Ele destaca cada detalhe, especialmente nas composições do Notturno, que alternam entre sussurros e fúria, blast beats e seções acústicas. Stefan mistura tudo perfeitamente, de forma natural. É um trabalho que exige habilidade e sensibilidade raras. Ele é quem transforma meus sonhos em realidade… e os pesadelos de vocês também.
Já entrevistei algumas bandas da Itália e sempre pergunto como é a cena metal por aí. Pelo que sei (e espero estar errado), é difícil conseguir espaço se você não for uma banda de power metal e não for o Rhapsody of Fire.
VITTORIO SABELLI: Claro, o mainstream ainda domina aqui na Itália, mas há uma cena underground forte e vibrante. Muitas bandas exploram nossas raízes folclóricas e tradicionais, criando sons únicos e locais que se destacam em um mar de bandas parecidas. Na minha humilde maneira, tento fazer o mesmo: dar ao Dawn of a Dark Age, INCATNVM e Notturno identidades bem distintas.
Você tem alguma banda italiana legal para recomendar aos nossos leitores? Não precisa ser metal, mas algo que valha a pena conhecer.
VITTORIO SABELLI: Uma das bandas mais originais atualmente é Ponte del Diavolo, que lançou um álbum incrível ano passado pela Season of Mist. A vocalista, Erba del Diavolo, também colabora com meu projeto A.M.E.N., que lançou seu segundo álbum, Argento, em janeiro pela My Kingdom Music — uma homenagem ao rei do cinema de terror italiano. Esse projeto não é metal; mistura música clássica, blues e jazz, com uma vibe sombria e psicológica.
Somos uma revista brasileira e sempre perguntamos sobre bandas brasileiras. Alguma que você conheça e goste?
VITTORIO SABELLI: Amo demais o Sepultura até o Chaos A.D., e o Sarcófago é uma banda incrível. Com certeza há centenas de bandas brasileiras incríveis. Tive a chance de tocar no Brasil há alguns anos com meu duo Chorando Brazil, focando em Choro Brasileiro. Espero voltar em breve ao seu país maravilhoso!
Agradeço muito pela entrevista. Deixe uma mensagem para nossos leitores.
VITTORIO SABELLI: Agradeço a você e a todos os leitores pelo interesse no Notturno. Sempre apoiem a música underground, pois é a mais genuína e honesta hoje. Quem quiser ouvir ou apoiar meus projetos, acesse meu Bandcamp: https://dawnofadarkage.bandcamp.com/ ou entre em contato pelo notturnoblackmetal@gmail.com.
Até breve,
Vittorio
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