Talvez um dos gêneros mais controversos do mundo, o industrial, continue sendo alvo de diversas controvérsias. Seja com acusações de apologia ao nazismo nos projetos como Laibach e Death in June, seja na imagem controversa do Boyd Rice ou mesmo na incitação de discursos de ódio do Genocide Lolita, o estilo musical ainda suscita muitas paixões contra e a favor dele. Contudo, será mesmo que tudo o que aparece dentro da música ruidosa está livre de preconceitos, de discursos de ódio ou mesmo de problemas vindos do cotidiano? Será mesmo que existe essa forma de arte “apolítica” como alguns fãs tendem a colocar?
Nos primórdios, a música industrial era uma tentativa de ir contra uma indústria cultural que se apoderara do punk, a última tentativa do rock em ser um gênero transgressor e anti-establishment. Throbbing Gristle, o grupo que inventou a música industrial, tinha um discurso bastante irônico em suas músicas, como na Discipline:
I want some discipline in here / Quero um pouco de disciplina aqui
That’s not the word, that’s not right / Esta não é a palavra, isto não está certo
Let’s get some discipline in here / Vamos ter um pouco de disciplina aqui
I want some discipline in here / Quero um pouco de disciplina aqui
Some discipline in here / Um pouco de disciplina aqui
Nota-se, em tom de deboche, sobre como eram ridículas as normas de disciplina a serem seguidas, sobretudo pela repetição de termos, quase num processo mecanizado. Muitas das músicas do TG eram como provocações ao punk comercial do Sex Pistols e ao rock da década de 70, que atingia o coração da juventude britânica. Notoriamente influenciada pelo Krautrock alemão, pela música de vanguarda e pelo fluxus, que primava por uma estética anti-burguesa, anti-individualista, valorizando as criações coletivas. Tanto que antes de formarem as bases da música industrial, Genesis P-Orridge e cia faziam parte de um outro chamado COUM Transmissions, cujas performances envolviam sexo, escatologia e toda a sorte de imagens repulsivas.
Com a fundação da Industrial Records, muitos grupos, associados à gravadora, compartilhavam o interesse pela estética subversiva e pelo uso intenso da música noise, entre eles Cabaret Voltaire, ClockDVA, Thomas Leer and Robert Rental, Monte Cazazza, S.P.K., entre outros, trazendo não apenas a música, mas toda uma performance que incluíam mostras de filmes surrealistas durante a execução das músicas, rituais xamânicos, destruição de objetos e escatologias. Alguns, como o Test Dept, apoiavam revoltas de trabalhadores e se posicionavam, ainda que indiretamente, com muitas ideias de esquerda. Contudo, a grande maioria deles de música ruidosa viam na política a origem de toda a corrupção de uma sociedade que se destruía no meio de tanta tecnologia.
Outros grupos, como o Whitehouse, apostavam em um choque muito maior, usando temas como nazismo, estupro, anti-religião, numa proposta que buscava, de forma consciente, irritar as pessoas com o pior da existência humana. O projeto Stalaggh / Gulaggh buscou na loucura de pessoas que perderam totalmente a razão em virtude dos mais diversos traumas, a voz e o barulho de toda a miséria da sociedade. São, portanto, formas agressivas de mostrar à sociedade o seu caráter fascista e mercadológico, onde qualquer coisa poderia se tornar uma mercadoria, um produto e que incomoda tomar consciência disto.
O noise japonês seguiu no mesmo caminho, com projetos como o Merzbow e o Hijokaidan trazendo a performance como forma de enfrentar a violência. Não é coincidência que a cena punk e a noise tenham surgido na cidade de Osaka, que nos anos de 1970 tinha índices de violência consideráveis. Depois Tóquio foi tomada pelo gênero, após o sucesso nos EUA e até hoje são duas cidades com uma cena de música industrial muito forte.
Mas e o preconceito, o sexismo, a misoginia, todos eles não passam ou passaram pela música industrial em algum momento? Será mesmo que o post-industrial não permitiu, com os gêneros do neofolk e do martial industrial, o surgimento de uma nova leva de artistas politicamente engajados com discursos de ódio? Não existe nenhum artista ou projeto que definitivamente pregue alguma ideologia reacionária ou ultraconservadora?
Infelizmente, a resposta é um sonoro sim. Essas pessoas existem e, para quem é de fora do meio, muito difícil de ser identificado, sobretudo porque elas exaltam, na maioria das vezes, um tipo de mensagem muito parecida com a de pessoas que se utilizam das mesmas ferramentas e das mesmas imagens para causar impacto e somente chocar as pessoas.
A começar pelo neofolk e pelo martial industrial. Muitos dos grupos, como o Death in June e o Von Thronstahl, se utilizam de imagens relacionadas ao nazismo, mas na forma de um fetiche muito bizarro.Alguns em especial alguns se utilizam da música para propagar ideias ultraconservadoras: H.E.R.R., Deathkey, Feldgrau, Sturmführer, entre outras. Eles flertam com o antissemitismo, o nacionalismo, a xenofobia, o revisionismo histórico e toda a série de discursos anti-esquerda e, em alguns casos, anticapitalista. O fazem como forma de propaganda de ideologias extremas, empregando todo um simbolismo próprio para tal.
Entretanto,estes trabalhos são voltados apenas para os neonazistas, fascistas e ultranacionalistas. Não fazem parte da “cena” regular do industrial. O problema é que projetos como o Genocide Organ, Haus Arafna, Club Moral, além de boa parte do Power Electronics, tem como fãs também neonazistas e fascistas, atraídos pela imagem de poder que utilizam, ainda que apenas de forma puramente estética, sem nenhuma vinculação política. Como agravante, alguns que não são ligados a propaganda fascista muitas vezes fazem splits, participam de performances ou mesmo da mesma gravadora que aqueles ligados a propagação de discursos de ódio.
Outro problema reside no que a cena alternativa considera como industrial. Originalmente o industrial era restrito aos grupos da Industrial Records e veio com ele uma série de transformações, que resultou no EBM, Neofolk, Power Electronics, Noise, além de combinações com o rock, o metal e até mesmo com o hip-hop. Destes, ainda temos derivados como o Electro–Industrial, que vem na cola do EBM e traz consigo mais melodias inspiradas em bandas de rock e de electro-music. Isto fez com que qualquer música eletrônica que não pudesse ser encaixada como synthpop, fosse pesada, rápida e dançante, mas distante dos gêneros mais “mainstream” fosse chamada de industrial.
Dentro deste meio começaram a aparecer pessoas que não se identificavam com a cultura da subversão que a música ruidosa trazia. Espelham em suas imagens e em suas letras um discurso agressivo, misógino, muitas vezes com o pretexto de ser “provocador”. Estes grupos, formados majoritariamente por homens, reforçam estereótipos, preconceitos e fazem música mais comercialmente viável. Existe uma diferença muito grande entre o deboche feito pelo Laibach na música Tanz Mit Laibach, que descaradamente imita, de forma caricata, o estilo de música militar, com Throat Full Of Glass, do Combichrist. É notória a diferença tanto de imagem quanto de conteúdo de ambos. Para não parecer implicância com o trabalho do Andy LaPlegua, cá vai um pedaço de Enjoy the Abuse:
Next time you opened your mouth / Da próxima vez que você abrir sua boca
I’ll put my fist down your throat / Colocarei meu punho pela sua garganta
SO deep you can not swallow / Tão fundo que você não vai conseguir engolir
I’ll make your body hollow / Deixarei seu corpo oco
You will enjoy the abuse / Você irá adorar o abuso
Cause you got nothing to lose / Pois você não tem nada a perder
I swear I’ll fist fuck your brain / Juro que foderei seu cérebro
Until I’m smiling again / Até eu sorrir de novo
Bandas como Combichrist, Blutengel, Nachtmahr, Cephalgy, Das Ich, Suicide Commando, não pertencem ao industrial, mas sim muitas vezes ao dark electro, que é uma versão gótica da música electro. Às vezes pegam influências de Hard Techno, Trance, Glitch e, em menor grau, do EBM e do Noise. São produtos feitos para serem comercializados e, por conta disso, não possuem uma mensagem que saia muito do senso comum. Não buscam contestar nada, não ironizam nada e, acima de tudo, atendem aos anseios de uma juventude hedonista em busca de prazer individual.
Portanto, existe sim industrial preconceituoso, mas felizmente é restrito a poucos músicos ou a pessoas que não estão diretamente conectadas com o gênero. Mesmo o Rammstein, muito mais comprometido com headbangers, está mais alinhado com o industrial quanto ao discurso que um Nachtmahr. E também é importante saber diferenciar quando é discurso preconceituoso do simples humor negro.
No caso do Haus Arafna, eles teriam alguma ligação com nazismo tirando a parte de ter fãs que compactuam com isso?
Opa, então, até onde consta, o casal não tem envolvimento com nada relacionado ao nazismo, exceto pelo nome, que é empregado com a ideia de que eles vão falar do lado mais sombrio do ser humano.
Quais bandas de martial industrial e neofolk voce recomendaria que não flertam com o ultraconservadorismo ?
Então, sem flertar com elementos ultraconservadores, acredito que a fase atual do Current 93, mais baseada em conceitos de religião, o Sangre Cavallum, o Soil Bleeds Black, o Rome (que inclusive se coloca como anti-fascista), o Gaë Bolg and the Church of Fand. De Martial é bem dificil porque eles utilizam o ultraconservadorismo como um fetiche a ser explorado, acho que TALVEZ o A Challange of Honour se encaixe no que procura.
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