A música popular tem um poder de inventar termos para si mesma para catalogar coisas dentro de sua variedade. Deste modo, termos gerais como Pop, Rock, Dance, Disco, Soul, Blues, entre outros, surgem, funcionando de forma classificatória. Do mesmo modo, estes gêneros também se subdividem em outros como heavy metal, industrial, gothic rock, death rock, punk, post-punk,post-rock, baroque pop etc. E, como se não fosse suficiente, ainda temos mais divisões e gêneros híbridos, como o crossover, electro-rock, dark electro, samba-rock… as combinações são inúmeras e diversas.
Neste turbilhão de nomes, contudo, surgem “gêneros” cuja denominação é duvidosa. Aparecem coisas como hellectro, aggrotech, futurepop, trancecore, horror metal e muitos nomes para colocar aqui. Em geral surgem como brincadeiras de artistas durante entrevistas, nomes comerciais dados por gravadoras e selos para melhorar a vendagem. Com o tempo, alguns passam até mesmo a ser considerados como gêneros próprios, como o nintendocore, bitpop, viking metal, dark trance, progressive death metal, melodic death metal, IDM, por exemplo. E neste campo encontramos o Witch House, surgindo de uma forma bastante controversa e ainda deixando dúvidas sobre ser ou não algo novo e diferente.
Das origens às bandas
O começo de quando o termo realmente pegou é bastante incerto. Ele tem seu nascimento possível quando Travis Egedy, responsável pelo projeto Pictureplane, cujo disco “Dark Rift”, lançado em 2009, teve uma boa aceitação e até mesmo ganhou uma boa colocação no site Pitchfork. Por conta disto, durante uma entrevista, em tom de brincadeira, ele disse que eram como uma “casa de bruxas”, referindo-se ao som do Pictureplane, consistindo numa mistura de darkwave, trance e synthpop. Acabou se tornando uma renomeação de outro gênero, o rape gaze.
Neste momento, veículos de comunicação como o The Guardian e o já mencionado Pitchfork começaram a levar o termo adiante. Muitos blogs dedicado à música e à subcultura gótica também começaram a difundir a expressão e, neste momento, diversas bandas passaram a se assumirem como pertencentes ao gênero, sem que existisse algum elemento em comum entre elas que as unisse dentro desta nomenclatura. Grupos como †‡† (Ritualz), Modern Witch, Fostercare e o Mater Suspiria Vision assumem-se como grupos de Witch House, enquanto o próprio Egedy critica bastante esta postura de assumirem algo assim e, a partir daí, abusarem do uso de símbolos no lugar nos nomes e das roupas pretas, além do ar evidentemente místico.
Com isto, diversos grupos passaram a se agrupar dentro do nome Witch House, gerando uma base de fãs bastante ativa, com diversos trabalhos e até mesmo selos que se dedicam ao lançamento de trabalhos do estilo musical, tais como Aural Sects, Black Bus Records,Haunted Cassette Tapes, Tundra Dubs, entre outros.
Afinal, qual a sonoridade do Witch House?
“Definir é limitar” é uma frase bastante recorrente neste gênero. Se Oscar Wilde tivesse imaginado que sua colocação, escrita em “O Retrato de Dorian Gray” servisse para tantas coisas, talvez entendesse o problema em definir o que é, de fato, o Witch House.
A estética sonora é retirada do hip hop (de uma forma bem semelhante ao trip hop), mesclado a uma base de trance. A partir daí começam as experimentações e os flertes com o shoegaze (sobretudo o mais barulhento), nuances bem suaves de noise (ou o mais próximo disto, o power noise), darkwave, post-punk e muitas outras coisas. A banda Mater Suspiria Vision, por exemplo, possui marcas de ethereal e partes de noise (lembrando em alguns momentos o Delerium e o Attrition); o W0LCNUM faz uma mistura interessante com o atmosferic black metal (seguindo mais ou menos a linhagem do Summoning), com o drone e a música eletrônica; o grupo Anda já faz uma mescla do synthpop/electropop com o trance em tons sombrios e quebrados.
Por isto, definir qual a sonoridade padrão para o Witch House é uma tarefa bastante complexa, em princípio. Segundo o site Rate Your Music, o grupo Salem teria dado uma boa base para o gênero ao mesclar o shoegaze com a música eletrônica sombria, o hip hop experimental (sobretudo o Chopped and Screwed) e o darkwave. Talvez seja isto que aproxime, ainda que de forma mais artificial, o gênero com alguns góticos, sem que faça parte da sua subcultura de forma plena.
Existe mesmo um gênero chamado Witch House?
Uma das grandes controvérsias para a aceitação do Witch House como gênero é a de justamente ele não constituir uma cena fora da internet. Para ajudar, muitos dos artistas envolvidos sequer sabem o que, exatamente, o termo representa e significa, dando um ar muito mais pessoal para ele, onde cada um interpreta o que quer e como quer o estilo.
Para um gênero musical classificatório se firmar dentro da música popular, é necessário que, primeiro, ele se estabeleça dentro de algumas regras aceitas pela comunidade de fãs. Basta entender que, por exemplo, um grupo denominado de progressivo dentro do rock e do metal precisa, necessariamente, mostrar algum nível de técnica em suas composições. Uma banda denominada e aceita como gótica terá elementos já convencionados pelo seu grupo (constituindo uma subcultura), fazendo com que ela seja gótica dentro daquele meio. Por isto ninguém questiona que Dream Theater é prog metal ou que Sisters of Mercy representa muito bem a música gótica.
Do mesmo modo, gêneros similares tendem a se agrupar e serem aceitos dentro de seus meios. Por isto fãs de metal tendem a aceitar gêneros como thrash metal, death metal, heavy metal, power metal, symphonic metal etc., assim como fãs de música gótica aceitam como pertencentes ao gótico o deathrock, o ethereal, o darkwave, o dark folk e mesmo o post-punk oitentista, criado com o esvaziamento do discurso político do punk. E gêneros diferentes fazem com que seu público não aceite determinadas bandas e artistas, pois os mesmos fãs de metal não irão dizer que o Fields of Nephelin seja uma banda de metal, mesmo com todos os elementos de heavy metal na música, assim como os góticos não verão o Entwine como uma banda gótica, mesmo com todos os elementos de gothic rock e darkwave presentes nas suas canções.
É necessária uma ligação emocional da comunidade dentro de um gênero para que ele possa agrupar certas bandas, fazendo com que certos sentimentos sejam evocados por aqueles que se agrupam dentro de determinado grupo musical de fãs, surgindo o estereótipo e criando algumas regras não-escritas. Deste modo, boa parte das bandas góticas terão temas melancólicos ou pelo menos ultrarromânticos, forte apelo visual, composições de tons mais baixos e de baixa complexidade, batidas repetitivas e refrão marcante. Bandas de metal irão tender a temas mais intelectualizados (mas não que, geralmente, sejam explorados temais filosóficos ou muito “cabeça”), com forte apelo nas letras, melodias mais velozes, composições mais complexas, exigindo também músicos mais técnicos, criando a sensação do estilo ser mais “difícil” de ser compreendido. E ambos terão dentro de si o sentimento de pertencerem ao underground, por mais palatáveis que sejam as suas músicas.
Falta isto ao Witch House. Existem grupos dentro da própria internet que aceitam o nome, mas não estabelecem quais regras fazem parte do estilo. Do mesmo modo, falta uma identidade, um estereótipo a ser seguido e até mesmo um público para ele. Muito embora ele se alinhe com o gótico, não é um estilo que se encaixe dentro do gótico, ao menos não de forma natural. O que vai conectar alguns grupos será a estética visual dos integrantes e algumas temáticas mais obscuras. O ʄ≜uxmuℭica tem uma sonoridade calcada no post-punk e um forte apelo ao noise/EBM oldschool, não tendo nada de gótico em seu som, diferente do oOoOO, com alguns toques mais próximos do ethereal, do darkwave e do rhytmic noise. É ainda o que se pode chamar sobre um “estilo vazio”, pois não possui elementos para se configurar como tal. Para melhor entender sobre a formação e a aceitação de estilos musicais, sugiro que leia este texto, em inglês.
Futuro, ah, o futuro…
Qual será o futuro do Witch House? Considerando que a base de fãs está crescendo e as bandas adquirindo um certo padrão, com seus nomes impronunciáveis e temas mais obscuros, aliados a selos e sites que promovem o gênero, é bem capaz de que, em breve, ele se torne um gênero musical aceito e autônomo. Contudo, falta a ele se desprender de ser um gênero eletrônico que engloba outras influências e que, muitas vezes, não se fundem para criar alguma coisa diferente. Grupos como o Delerium e o Synthetic Dream Foundation já fazem este tipo de sonoridade que alguns grupos mais novos no gênero também fazem. Além disto, muitos dos projetos experimentais podem ser facilmente encaixados em algum trabalho imaturo de post-industrial (ou pelo menos alguma tentativa de se fazer algo relacionado), de darkwave experimental e até mesmo de gêneros híbridos que não precisariam de classificação.
Para conhecer mais sobre o assunto, veja os links relacionados abaixo e boa diversão:
http://rateyourmusic.com/genre/Witch%20House/2
http://miojoindie.com/tag/witch-house/
http://www.expatriarch.com/2010/05/trying-to-define-witch-house-can-be-a-real-drag/
http://pitchfork.com/features/articles/7806-ghosts-in-the-machine/
http://blogs.villagevoice.com/music/2010/10/the_horrifyingl.php
https://soundcloud.com/groups/witch-house