Juvi - Cultura do Ódio (2024)
Gravadora: Independente
Gênero: Experimental / psicodélico / MPB
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Nota Geral - 9.5/10
9.5/10
Acompanho a trajetória da Juvi desde 2014, quando fazia parte da antiga banda Sasha Grey as Wife. Seu estilo musical era uma provocação incisiva ao conservadorismo, com composições contundentes e letra que transitavam do humor ao trágico em diversos momentos. Há muito tempo, observo a carreira dela e, em suas próprias palavras, “[…] quando tudo era mato e ela nem era a Juvi”. De fato, considero esse um ponto bastante relevante, pois pude notar que seu desenvolvimento artístico e pessoal ocorreu de forma natural, o que se reflete diretamente em seu disco mais recente, “Cultura do Ódio”.
Apesar de eu gostar muito dos álbuns “Músicas pra Ex, Vol. 1: Só Gatilho Foda” e “Músicas pra Ex, Vol. 2: 99% Boladona, 1% Xonadona”, sempre senti que algo estava faltando para me cativar completamente. Embora não seja o maior fã de hyperpop, enxergo nesse gênero uma resistência similar à da música industrial dos anos 1970, sobretudo a grupos LGBT+. No entanto, sentia que, apesar do humor ultra escrachado, tudo ali soava, em alguns momentos, um pouco autoindulgente demais para mim.
“Cultura do Ódio” marca uma mudança significativa na trajetória da Juvi. Aqui, ela apresenta um trabalho que reflete sobre a modernidade de forma séria e profunda, resgatando aquilo que me cativava em sua antiga banda. Era exatamente essa abordagem, mais reflexiva, que faltava para me envolver completamente com sua música atual.
Em contraste com os álbuns “Músicas para Ex”, que apresentavam uma sonoridade mais exagerada, “Cultura do Ódio” é primariamente um disco experimental que mescla elementos de rock psicodélico e MPB. Neste trabalho, ela aposta na musicalidade, com inspiração principalmente na música brasileira, no rock progressivo nacional e em outros gêneros, mantendo o toque experimental característico de sua obra.
O disco começa com Novas Drogas Legais, uma canção com forte referência psicodélica sobre como o abuso de substâncias tem sido tolerado, além do nosso ritmo de vida cada vez mais acelerado e artificial. Em Camarão vamos ao lado mais MPB e psicodélico em um diálogo bizarro com um camarão, tomando como absurdo a maneira como interagimos uns com os outros e sobre a repressão, sobre o poder de silenciar o outro. Plano Collor muda a tônica ao apostar numa música dançante, com forte influência de techno e electro, com samplers da época do confisco dos planos econômicos, mostrando uma visão irônica sobre esse capítulo da nossa história.
Beijar Na Boca É Bom Demais apresenta uma sonoridade entre bossa nova e psicodélico, abordando de forma melancólica as relações afetivas. Ao mesmo tempo, a música revela como nossas relações são frequentemente permeadas por uma tônica conservadora. Normal é outra canção experimental que questiona o que é normalidade e naturalidade, tocando em temas como relacionamentos, família e a forma como nos enxergamos. Websexo (A Nova Moda) trata da mediação das relações sexuais pela internet e do desinteresse pelo sexo real. A música mescla uma musicalidade eletrônica com uma voz de estilo emo, criando uma tensão entre o orgânico e o artificial ao abordar a nova moda de transar pelo computador. Há também referências a símbolos comerciais de lojas como o Magazine Luíza e o Ponto Frio.
Aspas Estética Aspas aborda a busca incessante por um padrão de beleza por meio de intervenções médicas e dietas restritivas. É uma canção predominantemente vocal, com o uso de vocoder, criando uma sensação de robotização e artificialidade. O Deus Gente é pura MPB, com forte influência de artistas como Zé Ramalho. Dotada de musicalidade acústica, a canção praticamente não possui elementos processados, ao mesmo tempo que reflete sobre o ser humano como algo mais temeroso do que qualquer divindade.
Foda Q Vc Eh Foda é uma canção sobre relacionamentos, com a voz de alguém que vê o outro como alguém muito acima e todas as nossas responsabilidades em nos sentir inferiores. Ela possui um forte viés psicodélico e foi, na minha opinião, a música mais impactante, sendo uma bela canção romântica. Por fim, temos Cultura do Ódio, que revisita as músicas da antiga banda Sasha Grey as Wife, com uma letra recitada em vez de cantada, abordando como o ódio nos desumaniza e como a mídia nos torna pessoas odiosas. É uma canção em que o instrumental apenas apoia a voz, com poucos elementos sonoros que permitem destacar a fala.
Sem dúvida, este é o melhor disco da Juvi até o momento, demonstrando sua evolução tanto na produção quanto no amadurecimento artístico, refletida na forma como as músicas são elaboradas. Este trabalho acompanha os dez anos de transformações pelas quais essa artista notável passou, que tenho a honra de acompanhar ao longo de todos esses anos.