Sete coisas que podemos aprender com o caso do Phil Anselmo

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Faz umas semanas que o senhor Phil Anselmo, após beber umas e outras, acabou por fazer uma saudação fascista e gritar “White Power” para o público e o mundo inteiro ainda fala sobre isto, com diversas repercussões. Aqui mesmo no Groundcast o artigo sobre o acontecido teve diversas visualizações e alguns comentários. Partindo deste ponto, vamos elencar aqui algumas coisas que esse episódio ajudou a nos esclarecer.

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DECLARAR-SE FASCISTA E SER ABERTAMENTE A FAVOR DE QUALQUER PRECONCEITO É ERRADO E TODO MUNDO SABE DISTO

Decerto que as pessoas não gostam de nada que remeta ao fascismo. Mesmo quando usado de forma provocativa, como acontece com o Death in June e o Laibach, este tipo de coisa acaba por evocar as lembranças de coisas não muito boas, como guerras, segregação social, partes da nossa história que não nos dão nem um pouco de orgulho.

Some a isto o nosso contexto, na qual a sociedade evoluiu de tal modo que ela, por si só, não consegue aceitar uma atitude que gere preconceito. Leis são criadas, ainda que muitas vezes de forma não-satisfatória, para coibir este tipo de atitude. Pessoas se sentem ofendidas e discorrem sobre o assunto, mesmo quando dão margem para falar coisas questionáveis. E as pessoas não querem desculpas sobre isto.

Pessoalmente eu não considero correta a atitude de tratar todos da mesma forma. Se o Phil Anselmo está arrependido do que fez ou da repercussão, pouco importa. Ele já está pagando bem caro pelo que fez, possivelmente vai levar uns meses até tudo voltar ao normal. Se fosse há uns dez anos, ele certamente estaria de boa, as pessoas achariam que ele sequer foi extremista e os shows continuariam. Esta situação pode ser melhor ou pior, dependendo de como se analisa.

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CONTUDO, AS PESSOAS AINDA SIM RELATIVIZAM ESTAS COISAS, ACEITANDO COMO UMA BRINCADEIRA E QUE NÃO PEGA NADA BANCAR O SUPREMACISTA BRANCO

As pessoas se tornam permissivas demais com atitudes que elas declaram não concordar. Basta ler nos comentários em qualquer site que fale sobre o assunto para notar que todos vão achar que é exagerado criticar o que ele fez, que não agrediu ninguém e outras coisas do tipo.

Do ponto de vista prático, o que ele fez não é muito diferente do que outras pessoas fazem, incluindo religiosos fanáticos e alguns políticos. E justamente por isto que merecem ser criticadas sim, mas também acompanhando uma discussão sobre como a cena está tolerando estas atitudes, no lugar de reproduzi-las.

Este tipo de situação tem duas vias. A primeira é que preconceitos podem ser criticados, mas também devem ser ponderados em ver o que é ofensivo ou não. Se a intenção foi ofender alguém ou algum grupo, isto é preconceituoso. As pessoas precisam aprender a fazer uma leitura menos superficial e compartimentada das coisas. Ou daqui a pouco teremos gente dizendo que o UDR é um grupo transfóbico por causa do Bonde da Orgia de Travecos. Contexto, não esqueçam dele.

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PROMOTORES NÃO CURTEM ESTE TIPO DE ATITUDE

Se você é produtor de show, sabe o quanto é ruim ter uma má-imagem vinculada ao seu evento. Perde-se receita, as pessoas não compram ingressos e ainda é capaz de rolar alguma sanção legal dependendo do país. Na Europa é ainda mais complicada esta situação, pois existe um sentimento pós-Segunda Guerra Mundial vindo das atrocidades cometidas pelo Hitler e da propaganda anti-Comunista em alguns países, somadas à crescente onda de imigração por conta do Estado Islâmico. Ser preconceituoso é um estigma que o cidadão comum não quer carregar.

O festival FortaRock excluiu o Down de seu lineup em resposta ao ato do Phil Anselmo. Ele declarou que seria melhor aos integrantes do grupo prosseguirem sem ele, a fim de evitar maiores sanções. Certamente outros festivais farão o mesmo ou terão consequências, como no caso do Hellfest, que se recusou a tirar a banda americana do seu lineup e vai perder um patrocínio do governo francês de 25 mil euros. Embora eu não concorde com esse tipo de atitude, em virtude dos outros integrantes da banda não terem nada a ver com as declarações de seu vocalista, certamente os organizadores do evento ficarão marcados por este incidente.

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POLÍTICOS ADORAM ESTE TIPO DE ATITUDE

Na outra ponta, os políticos gostam muito desses acontecimentos para, de forma demagógica, propor leis e sanções que fazem pouco sentido, mas agradam às massas. Isto acontece com pessoas mais conservadoras, contudo, não é exclusivo delas. Bruno Retailleau, senador eleito de um partido conservador francês, além de membro do conselho de Vendeé, disse que irá retirar o subsidio de 20 mil euros dados todos os anos ao HellFest por conta de seus produtores se recusarem a retirar o Down de seu lineup.

Pessoalmente eu concordo com a atitude dos produtores do HellFest. Isto dá o direito ao público de boicotar o evento ou não, caso sinta-se ofendido e também serve para que determinadas atitudes sejam tomadas com relação a isto. Pode ser que você não concorde e ache que os produtores deviam mesmo tirar a banda, que o senhor Retailleau talvez esteja certo por não usar dinheiro público para financiar um evento que mantém um racista em seu lineup. Mas não se esqueçam que tem outras bandas que não compactuam com os pensamentos do Anselmo e outros músicos que constantemente defendem pontos de vista parecidos.

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TEM GENTE QUE ACREDITA NO “EMBRANQUECIMENTO DO ROCK”

Quando estabeleci minha crítica ao texto do blog Geledés e sem mencionar que era um material escrito por uma pessoa do Van do Halen, recebi como comentário, de forma muito educada, sobre o embranquecimento do rock. Sem me ater ao blog, que por si só merece críticas pesadas quando fala umas bobagens como apropriação cultural, tente, caro leitor, seguir meu raciocínio, mesmo que seja para discordar depois.

O rock surge da junção de uma cacetada de gêneros, tais como o Blues, a música Gospel, o Jazz e o R&B, gêneros que vieram da comunidade negra. Mas inclua nesse bolo o folk, o country, o western swing, gêneros favoritos do pessoal redneck e também muito empregado por pessoas que curtem um separatismo e um racismo free style. Dizer que ele era um ritmo de negros é uma bobagem tremenda, uma vez que ele surge, vejam só, da junção de ritmos com forte influência africana a instrumentos musicais europeus. Até alguns historiadores da música popular alegam que foi uma forma de tornar ritmos afro-americanos em algo mais palatável a um público branco, mas não cabe a este texto analisar este assunto com tanta profundidade, mesmo porque existem pontos muito interessantes de ambos os lados (e sim, este tipo de coisa ACONTECEU também com o jazz).

Se pegarmos a primeira leva de artistas dos anos 1950 de rock, temos grandes nomes brancos e negros, a citar: Chuck Berry, Bo Diddley, Little Richard (todos negros), Jerry Lee Lewis  e Gene Vincent (brancos). Importava muito pouco se era negro ou branco que fazia o rock’n’roll, o importante é que esse mesmo gênero uniu duas coisas bastante divergentes, de culturas diferentes e criou uma revolução cultural que até hoje tem resultados.

Acontecia até uma coisa engraçada: brancos faziam sucesso com os negros e os negros faziam sucesso com os brancos, porque ninguém estava se importando muito com este tipo de coisa. Era diferente de gêneros como o country, marcadamente voltado ao público branco dos EUA, o folk tinha forte resistência ao uso de instrumentos elétricos, por eles representarem a modernidade. Não que isto significasse um alívio nas tensões raciais, mas era clara a mensagem de que o rock ERA independente da cor.

Pode-se, modernamente, criticar alguns segmentos por serem segregacionistas, ainda que não-intencionalmente. O site Pitchfork fez uma crítica interessante sobre o indie ser um gênero excessivamente branco, embora tenha alguns pontos que pessoalmente discorde. Mas colocar no balaio que quase tudo no rock pende a uma elitização e a uma “lavagem” é insensato por demais. O documentário Global Metal deixa bem claro que, em países que ainda não atingiram um grau de desenvolvimento social grande e onde ainda existem desigualdades, a música pesada ainda serve de refúgio e de união para pessoas de diversas etnias por conversar com elas sobre seus problemas.

O que isto tem a ver com o Phil Anselmo? A atitude dele, de supremacista branco, não agradou a maioria. Isto não indica que ele seja um racista de merda como alguns locais vem pintando, é só mais um babaca que quis fazer a brincadeira errada na hora errada e da maneira errada. E nada disto é reflexo do rock (e por consequência, do metal) terem se tornado uma música de brancos. Talvez hoje ele não converse mais com o negro por existirem outras formas de expressão que dialoguem mais com a realidade dele, como o funk, o soul e o hip hop. Talvez porque as comunidades prefiram alguma coisa que tenha a sua linguagem e que permitam pensar sobre outras coisas. Existem inúmeros fatores que podem afastar as comunidades negras do rock e do metal e o Seu Jorge fala isto numa entrevista de forma brilhante (ignoram a chamada, que está bem ruim).

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UM ARTISTA DEVE SER JULGADO PELA SUA OBRA.

Agora vamos pensar numa coisa: o que é mais importante para um artista, o que ele é ou a sua obra? Se para você a primeira opção se encaixa, tenho uma notícia bem ruim: você não gosta de arte, mas sim da imagem de um artista.

Em outros campos artísticos vários artistas eram extremamente preconceituosos e reacionários em seus posicionamentos. Monteiro Lobato era favorável à escravidão, Fernando Pessoa era monarquista, Ezra Pound tinha posicionamentos anti-semitas e fascistas, Rimbaud tinha preconceito com o gênero feminino. Esses são alguns artistas que, pelo olhar politicamente correto e asséptico das pessoas, sequer seriam passíveis de serem lidos.

Com a música não é diferente. Exceto quanto seus posicionamentos sócio-políticos fazem parte da sua produção, como acontece com o punk e com o rap, não faz muito sentido menosprezar um artista APENAS pelos seus posicionamentos. O Pantera continua sendo uma puta duma banda que influenciou gente pra caralho e ajudou até mesmo a definir novas sonoridades para o thrash metal, dando uma boa revitalizada no gênero. O Down ainda é uma boa banda, por mais que eu mesmo não seja lá muito fã deles hoje.

Não querer ouvir ou continuar a ouvir os trabalhos com a participação do senhor Anselmo é um direito de escolha que cabe a cada um. Mas não use isto como pretexto para inferiorizar o trabalho já realizado, pois eles não se apoiam em divulgar explicitamente ideologias de cunho racista e segregacionista. Lembre-se do que foi dito no começo deste item, ou você gosta da imagem do artista ou da obra dele.

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É PRECISO TOMAR CUIDADO COM AS GENERALIZAÇÕES GROSSEIRAS

Dizer que todo mundo que curte rock é elitista e racista é forçar demais a barra. Podemos até dizer que a cena é conivente com este tipo de comportamento, que as pessoas reproduzem esses comportamentos torpes contra pessoas de fora e que ainda se faz necessária uma conscientização para que isto mude. Mas apontar o dedo e dizer isto é o mesmo que concordar com: 1) todo roqueiro é drogado. 2) todo gótico é esnobe, 3) todo emo é gay, 4) toda funkeira é puta e assim até o infinito.

Fãs de rock são pessoas e devem ser vistas como tal dentro de sua individualidade e dentro dos contextos as quais estão inseridas. Existe sim um grande potencial preconceituoso, xenófobo, racista e misógino em muitos dos frequentadores, da mesma maneira que muitos se omitem com relação a tudo isto. E neste ponto é importante saber separar o joio do trigo. Saber que este tipo de comportamento precisa mudar e as pessoas serem menos indiferentes a ele. Porque toda a cena tem preconceitos, tem machismo, tem racismo e tudo o que permeia a nossa sociedade.

Por isto, vamos pensar um pouco antes de sair apontando dedos para todo mundo, certo?


Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.