Wagner Gracciano: “Música para mim é vivência”

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Wagner Gracciano já é um velho conhecido aqui no Groundcast e, nessa semana, trazemos uma entrevista muito bacana com ele falando sobre a vida no exterior, como sobreviver no mercado musical e também retomar a carreira em grande estilo.

Muito bem Wagner, você já veio aqui no Groundcast algumas vezes com o nosso podcast, mas agora vamos tentar um formato diferente. Então vamos começar pelo básico: fale um pouco sobre a sua trajetória na música, o que você fez e toda aquela introdução para quem ainda não te conhece.

Bom, sou Wagner Gracciano, produtor, compositor, arranjador e guitarrista nas horas vagas. Sou de Goiânia mas moro em Atlanta nos EUA. Música é minha vida e profissão desde sempre, então tenho uns anos de estrada rs. Sou um privilegiado de viver da minha arte e poder compartilhar isso com vocês.

Aliás, poderia nos contar o que te motivou a ir morar e ter uma carreira aí nos EUA? Como foram esses oito anos morando em outro país e o que te fez continuar e prosseguir com sua carreira de produtor e seu sonho de músico profissional?

Quando escrevi e toquei com o saudoso JJ Jackson, um blueseiro americano, ele me sugeriu a pensar em mudar do país. Então comecei a pensar nisso. Quando lancei meu primeiro disco percebi que a grande maioria das respostas positivas tinham vindo de fora. Comecei então a planejar conhecer os EUA para sentir se realmente era o meu lugar. Quando cheguei já conhecia uns amigos músicos aqui de Atlanta, e em 2 semanas aqui já me encantei com a forma de se tratar música e comecei a me organizar para ficar.

Inclusive, quais as dificuldades de ser um brasileiro em solo norte-americano? Quando estive nos EUA, eu sempre senti que as pessoas olhavam para os brasileiros com muito respeito, sobretudo pela nossa hospitalidade.

As dificuldades são as mesmas de se adaptar em qualquer cidade. A diferença é a barreira de linguagem e cultura. Muitos brasileiros reclamam que americano é muito ríspido e trata mal imigrantes. Eu particularmente tive uma experiência completamente contrária. Entendo que isso acontece, mas graças a Deus nunca sofri nenhum episódio infeliz, pelo contrário, sempre fui muito bem tratado e respeitado. Inclusive descobri que americano é tão animado quanto brasileiro.

Creio que se você chegar em qualquer lugar e querer impor sua cultura, modo de vida, vai ter um resultado frustrante. Aprender a se adaptar e respeitar os limites de outra cultura pode mudar tudo. É aquele negócio, a gente não está na nossa casa, se comportar bem e se adaptar as regras da casa vai ser bem-vindo, mas se fizer o contrário esquece.

Como alguém que vem de fora, você deve trabalhar duro e buscar qualquer oportunidade de firmar seu nome e esse começo é muito desafiador, muito. Você não chega ganhando dinheiro, espaço e as melhores gigs, então se planejar para esse começo é o grande segredo que me ajudou muito.

Poderia falar um pouco mais sobre como foi ganhar o “Prayze Factor Awards”?

Esse é um premio para música independente cristã promovido pelo TIMA (The International Music Association), foi uma honra muito grande por que é um prêmio muito ligado à cultura preta de RnB e soul, e não é qualquer um de fora que tem livre acesso, mas, ao mesmo tempo, depois que você consegue entrar, descobre que é um círculo muito aberto e amoroso.

Fazer parte disso é muito, muito gratificante, é um aprendizado que mudou completamente minha visão sobre esses estilos de música e cultura. Não é somente música, é um modo de vida e muito diferente do que a gente vê nos filmes por exemplo.

Aliás, quais os artistas que você trabalhou como produtor? Li por aí que você já trabalhou com grandes nomes como Ben Reno e Adair Daufembach, então como foi a experiência?

Além de dois grandes produtores que se tornaram amigos. Nas minhas produções não abro mão de mixar e masterizar com o Ben e o Adair. São dois sons diferentes e que me dão uma opção muito grande para cada projeto que eu trabalho. E fico muito feliz que eles estão trilhando um caminho de sucesso, tanto o Ben se tornando um dos maiores nomes de Nashville tanto Adair despontando como um grande nome do rock/metal mundial.

Trabalhei também com a lenda do soul aqui em Atlanta, o Cleveland P. Jones que se tornou um grande amigo que tive o prazer de produzir para ele. Trabalhar com o Carlos Zemafoi um prazer enorme, além de grande amigo desde adolescência é uma alma ímpar, além de hoje, pra mim, um dos maiores vocalistas de rock/metal do mundo. Trabalhei com várias artistas de RnB e hip-hop aqui como AG Baby e o ganhador do Grammy como compositor Cyrrus Deshield, além de muitos artistas de jazz fusion até de prog metal, passando pelo country mais tradicional possível com o Red Dirty Cowboys.

Agora que você também retomou a sua carreira solo, pode nos falar sobre o The History of Mark Beck? Eu achei o disco sensacional, muito bem-produzido e variado e muito superior ao Across the Universe. Senti ali muita referência de AOR, prog rock, jazz-fusion e um monte de outras coisas legais.

Fico muito feliz que gostou. Na verdade, o primeiro disco é sempre um aprendizado de como fazer as coisas, como seu estilo vai soar de verdade e nos mostra o que podemos evoluir. Nesse segundo disco eu já vim com a ideia de usar meus erros do Across para aprender.

Foi a minha primeira vez escrevendo letras na íntegra, e isso foi um desafio muito grande que me fez respeitar muito os grandes letristas como Bob Dylan e Vinícius de Moraes por exemplo. Escrever é tão difícil quanto fazer música, ainda mais escrevendo numa língua que não é a minha. Sorte que pude contar com amigos que sempre me deram uma dica sobre expressões que dariam certo para o público que tem inglês como primeira língua.

Como vivi muito o cenário musical aqui de Atlanta, que é considerada um dos berços do Rnb, Soul e HipHop, isso com certeza influenciaria o disco, fora que ainda convivi com a cena Prog Metal daqui. Por isso não me prendi há um estilo. Música para mim é vivência, se eu não puder passar isso diretamente para música não serve para mim.

Eu poderia falar das inúmeras evoluções que seu som teve nesse disco, inclusive quando foi lançado eu ouvi no Spotify e fiquei boquiaberto não apenas pela evolução como músico, mas por sair daquele mote que eu detesto de muito disco de guitarrista ser apenas para quem é músico. Como você analisa a sua evolução nesses dois trabalhos? Até porque eu sinto que esse disco tem mais a cara da sua trajetória do que o anterior.

Eu concordo com você, eu também não gosto muito desse tipo de disco de guitarrista fritador, e foi uma frustração no meu primeiro não achar cantores que iriam entregar a visão que eu tinha na época. Lógico tem alguns discos pontuais que acho fantásticos como o The Extremist do Satriani, Passion and Warfare do Vai e para mim a santíssima Trindade da guitarra instrumental o Coast To Coast, Sounthern Steel e o High Tension Wires do Steve Morse, mas tirando esses eu não tenho muita paciência, mesmo esses artistas cansaram e lançaram discos cantados depois.

O que eu tentei mudar em relação ao meu primeiro disco (e que é um grande problema em discos de guitarra) foi que a banda realmente tocasse, não apenas fizesse um backing track para guitarra solar.

Fico muito feliz com a repercussão e por você ter notado isso. Eu penso que quando se explora só um instrumento durante todo o disco fica difícil fazer algo marcante. É como se você gastasse todas as fichas de cara, depois nada se torna especial.

Quando você tira a atenção da guitarra, todo solo passa a ser mais apreciado. Igual a questão da velocidade, você não precisa fazer um solo inteiro na velocidade da luz. Uma ou duas frases rápidas na hora certa causam um efeito bem maior e fazem muito mais sentido. Mas o músico em geral tem que trabalhar o ego quanto a isso, admitir que, quando cada instrumento brilha é muito mais fácil se destacar, não o contrário.

A gente já conversou algumas vezes e sei que você é uma pessoa bastante religiosa. Por que resolveu justamente tocar no tema da corrupção das instituições religiosas? Até porque o meio mais conservador dentro das instituições religiosas não costuma ver com bons olhos qualquer crítica, ainda mais vinda de dentro.

Vou te corrigir, mas muito de boa hehehehe. Eu não me considero religioso, mas sim cristão, contudo é completamente natural essa comparação.

Vou explicar com calma, isso é coisa minha. Ser cristão para mim e seguir fielmente as princípios e fundamentos inegociáveis do cristianismo. Se alguma igreja ou instituição segue da mesma forma, tudo bem para mim, mas se não, vou lugar contra. Eu sigo a palavra, não os dogmas e muito menos líderes. Sim, existem certos dogmas que faze parte, mas eles têm de vir de algo que contribua para fé de forma racional, não coisas inventadas ou deturpadas por pessoas inescrupulosas. É difícil de explicar de forma clara, e é um assunto muito extenso e complicado, por isso vou acabar deixando umas pontas soltas.

Falando especificamente de mim e do disco, aceito muito melhor uma pessoa que discorda de mim, segue outra religião ou ideologia, mas é fiel ao que acredita e claro naquilo que apresenta do que alguém que usa o que eu acredito de forma leviana. Em tudo na vida eu tento ser assim. Porque no fundo não posso convencer ninguém apenas com argumentos, sinceramente eu não acredito em argumento, acredito em exemplo. O que a pessoa fala se não for acompanhado de um comportamento nem perco meu tempo. Se você negocia seus princípios, sua palavra cai por terra.

Então eu não quero gastar minha arte tentando falar sobre pessoas que tem fé ou ideias diferentes da minha, porque elas, no fundo, não têm o compromisso comigo nem em me agradar. Agora, alguém que usa minha fé de forma mentirosa enganando os outros, aí sim, eu entro na história.

Resumindo, eu não tenho o menor compromisso com instituições ou igrejas que usam o que acredito de forma leviana. Claro, hoje estou numa igreja americana que realmente tem um comportamento e uma mensagem que se casam com o que acredito, e não tenho o menor problema em sair caso isso mude. Sempre estou atento a isso, vou cobrar e denunciar.

A mensagem do disco é exatamente sobre isso, uma pessoa que teve problemas, teve um começo realmente legítimo como cristão, mas depois se desvirtuou e teve que enfrentar a verdade, mas no final, se realmente houver uma mudança genuína, as portas de Deus estão abertas. Esse disco é uma crítica aberta aos falsos profetas, mas uma esperança para quem se arrepende.

Falando em discos, como é produzir músicas nos EUA? Eu sei que aqui no Brasil os custos são altos para grandes produções, além do gasto com equipamentos de ponta tornarem a criação e bons estúdios algo caro e distante de muita gente.

Aqui também é caro. O equipamento realmente, é bem barato, mas a mão de obra americana é caríssima. Vejo muitas pessoas se engalfinhando na internet falando que uma guitarra de 3000 dólares é um absurdo, que nenhum instrumento vale isso. Mas pasmem, qualquer jogo de sofá feito à mão chega nesse preço. A guitarra geralmente é o preço de uma mesa com 4 cadeiras. Se for feito à mão, é muito fácil achar mesas de 10 a 20 mil dólares. Isso porque, tudo que é manual realmente é caro, tudo.

Eu sempre produzi sozinho, sou meio controlador nesse ponto. Então grande parte do disco eu fiz em casa. Produção, arranjos, samples de instrumentos, sintetizadores a maioria das guitarras e baixo eu fiz sozinho no quarto. Escrevo tudo nos mínimos detalhes para quem está gravando, exagero às vezes no perfeccionismo, mas sempre quero que a pessoa traga um pouco do seu estilo. Então em termos de produção não mudou meu processo em nada.

O que mudou muito foi que tem profissionais que tive acesso aqui, e descobri que são muito mais acessíveis que eu pensava.

Por exemplo, quem gravou alguns pianos no disco foi o grande Charles Judge. O cara gravou de Stevie Nicks à Megadeth, gravou Rascal Flatts, Taylor Swift e aí vai. Outro foi Alex Wright que é tecladista da Carrie Underwood. Pessoas de uma educação e generosidade ímpar.

Mas foi muito bom trabalhar com meus amigos de casa como o Carlos Zema, Roberto Milazzo, Foka, Andre Tavares e o Adair. Nesse sentido o processo foi bem caseiro.

O que você planeja para o futuro? Será que a gente pode contar com uma banda para fazer shows?

Estou no processo de divulgação e quero trabalhar para fazer shows. A banda está escolhida, mas não quero sair ou tirar a galera de casa para passar perrengue.

Quero trabalhar duro para gravar um DVD bacana com áudio visual legal. Mas já estou coçando para fazer um terceiro disco, já tenho até a ideia rs. É o que gosto de fazer, sentar e compor.

Agora chegamos ao fim e quero agradecer muito por mais uma vez nos prestigiar com essa entrevista. Deixe seu recado para os nossos leitores. Manda bala.

Muito obrigado vocês e obrigado pelas perguntas, muito bem pensadas, me senti prestigiado. E um grande abraço para galera, espero que gostem do trabalho e entendam a mensagem. Tomara que causem reflexão e conforto.

Me sigam em todas as redes sociais, e ‘The History Of Mark Beck’ está em todas as plataformas de streaming. Escutem no talo do início ao fim.

 

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Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.