[Resenha] Lingua Ignota ‎– Caligula (2019)

2 min


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1. Faithful Servant Friend Of Christ
2. Do You Doubt Me Traitor
3. Butcher Of The World
4. May Failure Be Your Noose
5. Fragrant Is My Many Flower’d Crown
6. If The Poison Won’t Take You My Dogs Will
7. Day Of Tears And Mourning
8. Sorrow! Sorrow! Sorrow!
9. Spite Alone Holds Me Aloft
10. Fucking Deathdealer
11. I Am The Beast

Industrial/ Sludge / Neoclassical, Profound Lore

A cena noise / industrial é muito carente de mulheres. Kristin Hayter é, sem dúvidas, um dos maiores nomes femininos dessa cena e, com certeza, traz muito daquela surpresa para quem é fã do gênero quanto para quem não conhece nada.

Se eu puder resumir o disco em uma única palavra, ela seria: desesperador. O tom operístico inicial de Faithful Servant Friend Of Christ, fruto da educação musical erudita de Hayter, pode enganar um ouvinte ocasional, com passagens que remetem até ao ethereal no melhor estilo Dead Can Dance ou ao darkwave. Mas depois seus ouvidos serão rasgados por uma tragédia em forma de gritos, ruídos, dissonâncias e uma melodia cada vez mais tétrica e poderosa, como o grito de desespero que ressoa no fundo da alma de alguém em agonia.

A inspiração de Kristin vem de diversos meios, mas sobretudo de seus anos quando casada com um proeminente artista da cena noise americana. Nessa época ela sofria abusos constantes e sofria muito com a violência doméstica, violência esta que deu frutos em All Bitches Die, seu primeiro trabalho.

Neste segundo, toda a confusão e os traumas vindos das agressões permeiam a narrativa, mas também funcionam como uma catarse, quando declara que todo o amor que sente pelo seu agressor é recompensado apenas com mais dor (Butcher of the World). Seu agressor também é jogado na posição mais ridícula possível (May Failure Be Your Noose), além de todas as músicas mostrarem como os sentimentos ficam nublados e como o amor e a servitude tiram o direito a felicidade.

Sim, cada uma das músicas é um ataque a um mundo misógino que não enxerga as mulheres como seres humanos e em Calígula isso é exposto não como uma vitória da vítima, mas como um pedido de socorro e um relato dos mais dolorosos. Mas ainda sim necessários, como aquele soco no estômago e também uma libertação de todos os sentimentos que não podiam ser externados.

Ao final, em I Am The Beast, tem uma citação do poeta Frank O’Hara, que diz: “All I want is boundless love.” [NT: Tudo que quero é um amor sem fronteiras] Isso faz parte de um texto, que continua com o verso “eu sou o menos difícil dos homens”, para contrastar com todo o sofrimento que com certeza ainda deve pesar.

É um trabalho belo, forte e que merece cada segundo de audição.

[Resenha] Lingua Ignota ‎– Caligula (2019)
  • Nota Geral - 9.5/10
    9.5/10
9.5/10

Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.