Sylvaine: “Amaria voltar ao Brasil e tocar para meus fãs”

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Sylvaine é um trabalho multi-instrumental, encabeçado por uma mulher que produz e faz tudo. Fruto de muita luta e determinação, Sylvaine volta ao Groundcast para falar do seu segundo trabalho, mais maduro e muito mais sombrio. Deem uma lida no bate papo que a gente aqui fez com ela e se preparem para uma das entrevistas mais bonitas que já tivemos a honra de fazer.

Estou muito agradecido entrevistá-la de novo, Sylvaine.  Vejo que seu trabalho melhorou muito deste “Silent Chamber Noisy Heart”. Está mais  emotivo e belo e finalmente consegui ouvi-lo. E, para começar esta entrevista, te pergunto sobre o que você tem feito desde nossa última entrevista há quase dois anos. Imagino que tenha estado ocupada durante todo este tempo.
Olá novamente e muito obrigada por me trazer de volta para falar sobre meu novo álbum para os leitores do Groundcast! Muita coisa aconteceu desde a última vez que a gente conversou. Eu não parei de trabalhar desde que lancei o “Silent Chamber, Noisy Heart” em 2013, então, por consequência, muitas coisas têm acontecido por trás das cortinas;. Antes mesmo de lançar o primeiro álbum, voltei ao estúdio para começar a gravação do “Wistful”. Eu já tinha metade das músicas escritas nessa época porque eu me sentia ainda muito inspirada. No começo de 2015, terminei de compor as melodias e então comecei a gravar o que faltava no Drudenhaus Studios, na França. Durante este tempo também comecei a ensaiar com a minha nova banda, que formei para as apresentações ao vivo e foi uma experiência incrível.  Conforme a mixagem progredia, comecei a entrar em contato com gravadoras para ver se alguém poderia lançá-lo, o que me levou a assinar a Season of Mist. Isto me abriu as portas e é algo que sou muito grata. Além do mais, teve um monte de coisinhas que foram surgindo aqui e ali, agora estou promovendo meu novo álbum e escrevendo as músicas para o terceiro disco.

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Foto por Anais Novembre

Gostaria de lhe perguntar sobre a produção deste novo álbum. Poderia nos dizer alguma coisa sobre?
O processo de composição foi menor que o do álbum anterior. Levou quase um ano para que tudo ficasse pronto, pois tudo aconteceu de forma muito natural e de forma mais consistente. Comecei gravando a primeira metade no estúdio da minha universidade, sozinha, para depois ter a chance de terminar no Drudenhaus Studios, na França. Foi uma experiência necessária trabalhar com um engenheiro de som tão talentoso quanto Benoît Roux, o que tem me guiado a continuar e escrever o terceiro. Para o processo de mixagem e masterização, chamei as mesmas pessoas com quem trabalhei antes, que foram Nick Terry e Ray Staff do Air Mastering. Isto pode ser sentido na atmosfera mais orgânica em “Wistful”, diferentemente do primeiro trabalho. O processo de produção deste álbum foi mais melhor porque eu ganhei mais experiência, tornando tudo mais agradável.

“Wisftul” foi lançado em vinil. Por que você decidiu por este formato?
Para ser honesta, foi uma sugestão da gravadora lançar neste formato, em conjunto com o formato digital e em CD. Eu amo o formato em vinil e fiquei feliz em saber que eles queriam lançar nesse formato. Ele tem um som mais quente e traz uma sonoridade mais viva para a música, mas também é uma peça de arte muito bonita. A alma do vinil é difícil de ser derrotada. Mesmo que tenha suas falhas, acho que é uma das melhores formas de apreciar música.

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Foto por Anais Novembre

Como você descreve o estilo do seu álbum? Vejo que tem muitas melodias de post-rock, lembrando-me de bandas como  Explosions in the Sky, Godspeed You! Black Emperor, Russian Circles e menos  sons parecidos com metal / shoegaze.
Wow, muito obrigada pela comparação com estas bandas maravilhosas! Adoro toda a cena shoegaze, assim como as cenas das bandas mais novas de post-rock/ post-metal, então tudo isto tem me inspirado em minha música. Queria fazer algo entre uma sonoridade serena e outra brutal, que transpus num som mais atmosférico que o do “Silent Chamber, Noisy Heart”. Queria uma vibe mais ambiente e etérea, mas ao mesmo tempo manter uma agressividade natural que vinha quando estava escrevendo as músicas, que também torna a música mais sombria e ríspida que antes. Não sou uma grande fã dessas nomenclaturas, sinto como se elas fossem criadas com o propósito apenas de vender música para as massas do que servir para classificar a música, então normalmente eu deixo as outras pessoas decidirem qual o estilo que eu toco. Já ouvi que meu disco era atmospheric post- rock, blackgaze, doomgaze, post-metal, shoegaze, spleen metal, atmospheric post- black metal, alternative rock, post- rock etc. Deixo para vocês decidirem.

Sobre as letras, de onde você tirou a inspiração para escrevê-las? Pois elas me dizem coisas sobre uma tristeza profunda (e sim, algumas vezes sinto algo parecido), mas com uma mistura de alguma coisa etérea com uma sensação sombria de desespero. Meio Dead Can Dance, meio Shape of Despair.
Sim, devo admitir que quando ouvi o disco finalizado, depois de todas as demos que foram gravadas antes de eu ir ao estúdio, fiquei um bocado surpresa com o tom sombrio que as músicas tinham tomado, hahahaha…. Acho que isto reflete as coisas com que tive de lidar entre 2014 e 2015, enfrentando um monte de coisas que faziam ter uma sensação de alienação em níveis muito altos, muito mais do que eu sentia antes. Estar em um país estrangeiro, sem amigos ou família, e tudo isto te leva a focar nos aspectos mais introvertidos de si mesma, que significa que você irá enfrentar suas emoções, seus medos e valores de um modo ainda mais extremo. Como Sylvaine é um projeto pessoal para mim, todos os assuntos que vem por meio da música são situações e ideias que residem dentro de mim, que eu não consigo expressar de nenhuma outra maneira. A dualidade entre a felicidade e a melancolia, o mundo exterior versus o meu mundo interior, assim como a oposição entre a natureza e a urbanidade, são as minhas fontes de inspiração quando estou escrevendo as minhas músicas. Para o “Wistful”, escrevi muito sobre a ideia da nossa alma não ser deste planeta, mas ter sido colocada para viver aqui por algum tempo, dentro de um “carro” que toma a forma de corpos humanos. Este novo receptáculo restringe a alma, fazendo com que a conexão entre o nosso mundo humano e o mundo espiritual fique cada vez mais frágil. Isto traz um sentimento de ser traído, de ser censurado, o sentimento de não-pertencimento a este lugar. Isto nos causa um sentimento primitivo de saudade de alguma coisa, sem nossa mente humana conseguir entender exatamente do que ou de onde vem esse sentimento. Você poderia dizer que esta ideia de saudade é de um tempo diferente, talvez. Escrevi sobre isto no meu trabalho anterior, mas é neste novo que o tema ganha força e é guiado por todas as emoções que deram origem ao disco.

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Foto por Andy Julia

O  Neige, do Alcest, gravou algumas linhas de bateria neste álbum. Poderia nos dizer sobre como foi trabalhar com músicos convidados, como Stephen Shepard, Corlie Louarnika e Thibault Guichard?
Depois que todas as músicas e melodias foram escritas, tive a sorte de entrar em contato com esses grandes músicos para gravarem comigo. Eu mesma escrevi algumas partes, mas sei das minhas limitações como musicista, e então decidi que seria melhor trazer algumas pessoas para fazer as músicas ficaram tão boas quando poderiam ficar. Meu pai,  Stephen Shepard, fez a maior parte das baterias do meu primeiro álbum, então era natural chamá-lo pra gravar no segundo também. Quando aconteciam as sessões de gravação na França, o Neige tinha dito que estaria interessado em tocar bateria em algumas das minhas músicas, então ele veio até o  Drudenhaus  para terminar o disco. Eu gosto muito do jeito que ele toca bateria e o quão atencioso ele foi, então sentimos que ele se encaixava muito bem no conceito do “Wistful”. Tentamos algumas vezes e concordamos que o resultado ficou fabuloso! Para a faixa título, tive a sorte de contar com Coralie e Thibault , por conta de alguns amigos em comum. Eles tocam violino, viola e violoncelo. Coralie tocou em diversas bandas por muitos anos, entre elas Bran Barr, Kroazhent e Mind Asylum, enquanto o Thibault apenas recentemente começou a tocar o violoncelo. Ambos fizeram um trabalho maravilhoso. Sou muito grata a todo mundo, pois estavam todos muito entusiasmados.

Você faz alguns vocais guturais em In the Wake of Moments Passed By e Earthbound. Curiosamente, estas são as faixas mais metal no álbum. Por que você decidiu fazer isto??
Algumas das emoções deste álbum não seriam expressar usando uma voz limpa. Não sentia que minha voz pudesse mostrar o monte de frustração e ansiedade que residia no significado destas duas canções, então achei que os vocais gritados eram uma boa escolha, eles tendem a expressar os extremos que as emoções podem chegar.

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Foto por Anais Novembre

Desculpe-me pelo comentário, pessoalmente eu gostei muito pouco destes vocais, porque acho que você tem uma voz muito bonita e você a trabalha de forma muito competente nas outras músicas. Para mim as músicas são boas, mas as outras me soam melhor. Como tem sido a relação a esses vocais guturais? As pessoas têm curtido?
Sem problemas por conta disto. Músicas diferentes falam coisas diferentes às pessoas por razoes muito especificas, você não tem que se desculpar por não se conectar com essas duas músicas como você se conectou com as outras. Em geral, tenho recebido boas respostas ao uso dos gritos e também pela qualidade deles. As pessoas dizem que gostaram muito e eu sinto que estou tentando dizer a elas o porquê de ter escolhido cantar assim. Isto se deve muito ao tom agressivo dessas faixas, ou por fazer essas músicas soarem mais metal, apenas sinto que era a melhor forma de expressar essas emoções tão fortes que estavam contidas nas composições. Esse tipo de voz é algo tão primitivo e tão forte em expressividade, é uma sensação diferente do que usar uma voz mais clara. Elas me trazem todo um novo nível de emoção. Uma coisa engraçada: também tenho recebido muitas perguntas sobre quem está fazendo esses vocais guturais em minhas músicas, as pessoas parecem não acreditar que sou eu quem faz esses vocais. Muita gente tem me perguntado se não foi o Neige quem gravou, haha… Eu tomo isto como um elogio, pois acho que ele faz uma das melhores vozes guturais que eu já ouvi.

Li uma resenha que te compara com a Myrkur. O que você pensa sobre ela?
Tenho que ser honesta contigo e digo que não me importo com o que ela faz; Não sei qual a intenção do projeto que ela desenvolveu. Para mim parece que ela quer chamar a atenção com o que ela faz, mas veja, posso estar completamente enganada! Não gosto muito dessa comparação entre nós, nossa música é muito diferente e não há nada parecido entre a gente. O fato de nós duas sermos loiras, termos peitos e virmos de regiões nórdicas não é o suficiente para nos rotularem como a mesma coisa, na minha opinião. Entretanto, vejo que ambos os projetos (o meu e o dela) podem  atrair o mesmo tipo de público.

Foto por Andy Julia
Foto por Andy Julia

Ainda sobre a Myrkur, em tempos recentes alguns idiotas fãs de Black Metal a ameaçaram porque ela é modelo (se vocês não sabem do problema, leiam:  http://noisey.vice.com/pt_br/blog/myrkur-facebook-amecas-de-morte). Qual sua opinião sobre o sexismo na cena metal?
O mundo da música é em geral dominado por homens e isto não é nenhuma novidade. Eles fazem negócios com mulheres, incluindo as da cena metal. Contudo, deveriam se atualizar um pouco, para se encaixarem na sociedade em que vivemos. Sempre achei estranho como o gênero não diz absolutamente nada sobre como você é enquanto artista. É algo que não faz muito sentido. Acho que qualquer garota ou mulher em qualquer cena musical sente algum tipo de preconceito. julgamento ou escuta algum comentário condescendente durante sua carreira. Passei por um monte de situações esquisitas, inquisitórias e vexatórias desde que decidi levar a vida como musicista a sério. Desde os meus 14 anos escuto desde gente que acha que sou uma loira linda e burra e me tratam de acordo com essa visão até pessoas que tentam me “ensinar” como fazer o meu trabalho ou como tocar a minha música. Alguns me disseram que não era possível uma garota saber qualquer coisa sobre música, com gente me menosprezando, acreditando que eu não sabia nada sobre o que estava fazendo. Essas são situações típicas e que eu passei diversas vezes.  Como uma garota em um negócio muito agressivo como o mercado da música, você tem que aceitar que há gente estúpida que irá te julgar baseado no seu gênero no lugar de suas habilidades. Posso dizer que tento usar este tipo de comportamento como um combustível, para provar que eles estão errados quando praticam esse tipo de preconceito comigo, e aconselhar outras garotas a fazer o mesmo, em vez de se magoarem com isso.

Estou maravilhado com a arte da capa deste disco. Quem é o artista? O que ela significa? Eu gostei também da arte da camiseta, me lembra algumas ilustrações de cartas de tarô.
Fico muito feliz em ouvir isto de ti. Eu adoro as artes do Sylfvr para a arte do “Wistful”! Ele é um jovem artistas, muito talentoso, da região de Bordeux, misturando fotografia e arte digital. A imagem foi criada exclusivamente para o disco, e sinto que ele conseguiu capturar o significado dele, assim como toda a atmosfera que eu imaginei. Queria que ele criasse um personagem que fosse vagamente humano, que tivesse uma imagem que remetesse a um outro mundo, de forma enigmática, como uma forma de conectar com uma natureza forte. É como se eu visse a representação da saudade em uma imagem. Ele parecia entender isto e o que eu tentava dizer com a minha música desde o começo, então sou muito grata a ele por ter feito a capa. E é um ponto importante lembrar das camisetas. Elas se parecem um pouco mesmo com cartas de tarô. Førtifem,  da França. Fez a ilustração da  garota na árvore e a outra, das irmãs gêmeas, pelo Error!  Design, da Espanha. Estou super feliz com elas! Tive muita sorte de poder trabalhar com tanta gente talentosa neste álbum!

Foto por Andy Julia
Foto por Andy Julia

Um das músicas, Saudade, tem o nome em português. Por que razão? Você fala alguma coisa de português?
Oh, não, infelizmente não falo nada de português, haha… O significado da palavra Saudade reflete o significado desta música, então quando a encontrei um dia, procurando por diferentes palavras para o título, decidi que este termo era o mais adequado. A música fala sobre um profundo sentimento de saudade de um lugar longe daqui. Um desejo ardente de voltar para casa, de uma forma espiritual, para um lugar que não pode ser alcançado pelo homem. Esse sentimento vem do não-pertencimento a este mundo e sempre carrega a sensação de que falta alguma coisa dentro de você, sem necessariamente entender o porquê disto. As letras de Saudade são muito simples, mas é uma das minhas favoritas. Elas sintetizam uma das muitas razões de eu ter começado este projeto. Como música, eu amo  o como ela soa igual a uma marcha darkwave minimalista. Sempre me refiro a ela como  “a lamentação”, com uma expressão sombria, que soa com um tom de lamento.

Planos para uma turnê? Espero poder vê-la por aqui algum dia e assistir a um show seu.
Amaria voltar ao Brasil e tocar para meus fãs. Espero, de verdade, que isto ocorra algum dia, sinto saudade do público da América Latina. É um dos melhores públicos do mundo, eu diria. Agora, a única certeza é que farei alguns shows no verão. [NOTA DO TRADUTOR: no nosso caso, aqui no inverno, ou seja, entre os meses de junho a agosto]  Depois disto,  estamos agendando algumas datas para o outono / inverno [NT: segundo semestre deste ano] e  então uma turnê completa no ano que vem. Acho que posso falar por todos da minha equipe que estamos com muita vontade de colocar o pé na estrada e tocar para todo mundo. Será algo muito prazeroso.

E o que você anda ouvindo ultimamente?
Tenho escutado muito post-rock e grunge estes dias, como Explosions In The Sky, Mono, Nirvana, Smashing Pumpkins, Dinosaur Jr, além das minhas bandas favoritas, como Slowdive, Type O Negative e The Chameleons. Também fui num concerto com a maravilhosa Julianna Barwick, uma jovem musicista dos Estados Unidos que fazem a mais bela e etérea música que você jamais ouviu. Para mim isto sempre me conecta com outro tempo e lugar, fazendo sua mente voar para longe daqui. Também planejo assistir a um show do Explosions em breve, acredito que vai ser uma experiência incrível;.

É sempre um grande prazer falar contigo, Sylvaine. Deixe uma mensagem para os nossos leitores.
O prazer é todo meu. Muito obrigada por esta entrevista e por todo mundo que usou um pouco do seu tempo para lê-la. Espero que tenham gostado dela e saibam que não vejo a hora de voltar aí pro Brasil e tocar para vocês. Até lá, aproveitem o dia.

 

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Fotografias

Anais Novembre: http://www.anaisnovembre.com/

Andy Julia: http://www.andyjulia.com/


Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.