Heretoir: “O anarquismo e o black metal ficam muito bem juntos”

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Fale-nos sobre como o Heretoir foi formado e qual é a história por trás do nome da banda. Sei que o Eklatanz é um músico muito experiente na cena do black metal, tendo apoiado grupos como Austere e Germ.

Heretoir é uma banda de post-black metal post da Alemanha. Tentamos combinar a energia sombria do black metal com a intensidade emocional do post rock e a força rítmica do death metal melódico.

O nome é uma criação baseada na palavra “herege”, que significa algo como “escolher o seu próprio caminho na vida” ou “encontrar o seu próprio caminho”. A banda foi fundada por David em 2006. Alguns anos depois eu me juntei ao grupo, já que David e eu éramos amigos há bastante tempo e temos muito interesse no mesmo tipo de música. Um pouco depois a formação estava completa e fizemos nossos primeiros shows ao vivo.

Até hoje tocamos com bandas como Katatonia, Killswitch Engage, Alcest, Agalloch, Der Weg einer Freiheit e muitas outras. Nosso novo álbum completo chamado “Nightsphere” será lançado em 6 de outubro.

Então, o que influencia a sua música? Estou ouvindo o Nightsphere e acho que é um dos álbuns mais bonitos que ouvi este ano, com uma parte acústica realmente bonita e melodias densas e sombrias.

Muito obrigado pelas palavras gentis. “Nightsphere” é o primeiro álbum da banda que foi criado a partir de uma colaboração mais próxima entre os membros da banda. O objetivo era contar uma história coerente sobre um protagonista que experimenta a destruição do mundo natural e tenta lidar com isso.

As letras são escritas em um estilo metafórico e contam a história de um andarilho místico que entra em contato com os espíritos da natureza selvagem para se unir a eles contra o mundo industrializado das máquinas.

Musicalmente, queríamos criar um clima sombrio e muito melancólico, que fosse pesado e com várias camadas, além de intenso e emocionalmente envolvente por meio das partes acústicas e atmosferas sombrias que você mencionou.

As inspirações para isso foram diversas. Caminhadas nas montanhas e florestas se refletiram em algumas músicas. Filmes, como “Na Natureza Selvagem” ou “O Regresso”, e livros, como “Crepúsculo das Máquinas” de John Zerzan ou “Walden” de Henry David Thoreau, inspiraram as letras.

Claro, também houve várias bandas que de alguma forma deixaram suas marcas em nossa música, como o Ulver do começo de carreira, por exemplo. Também colaboramos com um amigo próximo nosso, Hannes Stoltenburg, que tocou bateria para o Downfall of Gaia e King Apathy. Ele tem um projeto de banda ambiente chamado “Hide Hide Hide” e criou as duas faixas ambiente realmente atmosféricas do disco junto conosco.

Acredito que conseguimos criar um álbum interessante, que espero que proporcione a muitos ouvintes uma jornada única pelo mundo da natureza selvagem, escuridão e conflito entre o homem e a natureza.

Falando sobre post-black metal, este é um gênero musical relativamente “novo” e vejo muita resistência por parte dos fãs tradicionais de black metal, porque incorpora influências do hardcore, shoegaze e post-rock. A cena também tem abraçado muitas mulheres, com artistas como Sylvaine (que também é minha amiga), Myrkur e Liturgy, com uma mulher trans. Você acha que o post-black metal é mais inclusivo e aberto? Como é a sua relação com o black metal mais convencional?

Para mim a cena do post-black metal é bastante aberta comparada aos padrões do Black Metal. Muitas pessoas do crust, hardcore e punk podem ser encontradas nela. Músicos que se sentem repelidos por alguns elementos do black metal old school podem se expressar na cena do Post-BM e encontrar maneiras musicais de reinterpretar o black metal.

Essa evolução é extremamente valiosa e muito importante. Não tenho certeza se a cena do black metal como um todo é realmente tão contrária ao Post-BM. Acho que muitas coisas mudaram nos últimos dez anos ou mais.

Pessoalmente, gosto do Post-BM, mas também aprecio o black metal old school. Os antigos álbuns do Bathory são tão interessantes para mim quanto os três clássicos iniciais do Ulver (é claro, os álbuns posteriores do Bathory também frequentam minha playlist).

Curto ouvir Darkthrone e “Antichrist” do Gorgoroth é, na minha opinião, um álbum de metal quase perfeito. Os clássicos do Mayhem, Belphegor ou Dark Funeral também são obras incríveis do metal.

Claro, muitas pessoas intolerantes e nazistas ouvem black metal, mas acredito que muitos fãs podem gostar tanto do estilo antigo quanto o do post-BM. A ambivalência é sempre a palavra-chave importante em termos de lidar com o black metal.

Quando olho para a sua formação atual, noto que muitos membros são do King Apathy/Thränenkind (inclusive já te entrevistamos no passado, acredito que não se lembre disso), que era um grupo anarquista, antifascista e anticapitalista. O que você pensa da cena do black metal anarquista? Estou perguntando por que vejo um movimento na cena do black metal hoje para tentar não se associar à imagem do crescimento do fascismo que vemos em bandas mais antigas, além de lutar contra questões de preconceito de gênero, especismo e desigualdades sociais.

Acredito que o RABM (Red and Anarchist Black Metal) e a cena do black metal anarquista são um contraponto importante e não deve ser subestimado em relação ao NSBM (National Socialist Black Metal). O black metal é um gênero importante no metal e acho bom para a cena que bandas anarquistas toquem em festivais conhecidos e alcancem um público cada vez maior.

O anarquismo e muitas das mensagens centrais originais do black metal se encaixam muito bem. Não ser governado e dominado por outros, viver livre das amarras das estruturas de poder estabelecidas, rejeitar religiões e suas ideologias opressivas, e buscar e seguir o próprio caminho autodeterminado na vida são todos temas centrais tanto no anarquismo quanto no black metal.

Mikhail Bakunin, um dos pensadores mais importantes, chamou Satanás de ‘o rebelde eterno’ e l’ibertador da humanidade’ em sua obra “Deus e o Estado”. Portanto, acho que o anarquismo e o black metal ficam muito bem juntos.

Ouvindo o Nightsphere, percebo algo diferente no black metal. Para mim, soa como um bom álbum de post-metal, algo entre Cult of Luna, Neurosis, Les Discrets e Alcest, mas com muita identidade. Como foi o processo de composição? E sua produção?

Como já falei antes, “Nightsphere” é o primeiro álbum escrito por todos os membros da banda juntos. A colaboração animou muito a todos e levou a muitas ideias criativas diferentes que dão ao álbum seu clima muito especial. Também nos sentimos bem como banda e nos unimos no estúdio. Trabalhar com David e Justin da 1408 Productions foi tranquilo, assim como foi com “Wastelands”, e as ideias deles moldaram e, em última análise, completaram o som do álbum.

Percebi que uma de suas letras é inspirada em Stanley Diamond, um antropólogo marxista e poeta, que estava particularmente envolvido em criticar o colonialismo e o neocolonialismo e combater o racismo em sua análise das relações humanas. Eu estava muito curioso para entender o quanto esse tipo de teoria, analisando as relações de poder e o efeito sobre nações e países colonizados, interessa a você? Especialmente porque uma das coisas que sempre me atraiu no Heretoir, além da beleza das músicas, é sua postura antifascista muito antes de se evidenciar nos últimos anos.

Nos anos após o ensino médio e durante meu trabalho na universidade, conheci muitos autores e livros interessantes. Tenho uma ampla gama de interesses, mas a forma como os estados-nação e a economia capitalista global afetam as pessoas e o mundo natural me preocupa há mais de dez anos.

A crítica à civilização industrializada expressa por autores como John Zerzan e Stanley Diamond tem sido uma análise cativante do status quo para mim desde que me deparei pela primeira vez com suas obras e acho que é central, se quisermos realizar um futuro habitável na Terra, que o dogma ainda difundido do progresso seja desconstruído e o lado obscuro da civilização, que supera em muito os aspectos positivos, seja examinado mais de perto. “Em Busca do Primitivo” de Diamond e “Crepúsculo das Máquinas” de Zerzan me inspiraram tanto que algumas de suas ideias foram incorporadas em algumas letras e até mesmo refletidas no título da primeira música do próximo álbum.

Muitas das letras do Heretoir lidam com temas profundos e emocionais. Como você escolhe os temas de suas músicas e que mensagem deseja transmitir aos seus ouvintes? Pessoalmente, elas me emocionam muito, pois trazem não apenas melancolia, mas uma reflexão sobre como o mundo está hoje.

A música sempre foi um meio para mim de me livrar da agressão e dos sentimentos negativos. Letras de músicas e peças musicais como meio de expressão são moldadas de forma bastante automática pelos tópicos que me ocupam.

Estes podem ser aspectos muito pessoais e emocionais do ser humano, mas também questões sobre o papel do ser humano moderno e “civilizado” como destruidor do mundo natural. Em geral, prefiro letras que deixem espaço para diferentes interpretações. As letras de “Nightsphere” são um bom exemplo desse enfoque, são inspiradas por problemas muito reais de nosso tempo, mas são apresentadas de forma metafórica e um tanto poética, contando uma história que une todas as músicas do álbum.

David e Nils também escrevem letras e têm abordagens diferentes para escrever letras para o Heretoir. No geral, temos uma variedade de abordagens, o que mantém as letras interessantes.

Li em outra entrevista sua que há a necessidade de conscientizar sobre a saúde mental, que também tem levado muitos músicos devido à depressão. E sua música fala muito sobre tristeza, melancolia e solidão, todos temas ligados a estados mentais que podem ser associados à depressão. Como essa questão de falar sobre depressão e outros problemas de saúde mental é importante para você? Tenho muitos amigos que lidam diariamente com a depressão e crises graves e já perdi três amigos que infelizmente não puderam seguir em frente com suas vidas (e é algo que sempre lamento porque não pude fazer nada para salvá-los ou ajudá-los).

Sinto a necessidade de falar sobre sentimentos negativos. Na verdade, isso me ajuda a manter a sanidade em uma sociedade insana. O metal em geral, com suas atmosferas frequentemente distópicas, sombrias e bastante negativas, é o gênero perfeito para lidar com a melancolia e a depressão. Muitas pessoas pensam que você fica deprimido quando ouve música sombria, mas eu evito a depressão ouvindo metal depressivo (black) e escrevendo letras bastante sombrias. Acho que faz sentido falar sobre esses tópicos publicamente e nas músicas, porque muitas pessoas se sentem da mesma maneira e cria uma espécie de comunidade, que pode ser muito útil de diferentes maneiras.

Notei uma evolução constante em seu som, pois vejo que a cada nova música soa menos black metal e mais algo diferente. Como você descreveria essa evolução?

Isso não é algo que acontece de propósito. Claro, você fica mais velho, descobre novas músicas e tira inspirações de outras coisas do que há dez anos. No entanto, realmente amo o black metal e ainda é o gênero que mais me inspira, então tento integrar elementos do gênero na música do Heretoir. Sabemos que muitos de nossos fãs amam o black metal e acho que você pode ouvir as inspirações de black metal claramente em nosso novo disco.

Como você vê a posição do Heretoir na cena musical hoje e como vê a cena do metal nos próximos anos?

Acredito que somos uma banda bem conhecida na Alemanha e cada vez mais pessoas de todo o mundo estão conhecendo nossa música. Trabalhamos muito para chegar à posição que temos hoje.

Nosso álbum de estreia foi relançado em 2023. Lançamos um novo mini-álbum em maio. Tocamos em vários festivais e três shows com o Killswitch Engage no verão, lançaremos nosso novo álbum em menos de dois meses, faremos uma turnê pela Europa em outubro, faremos uma turnê na América do Sul em março e já confirmamos shows em festivais para 2024, então estamos ansiosos para tocar ao vivo e estamos trabalhando duro para levar nossa música aos nossos fãs. Enquanto isso, já estamos trabalhando em novo material para futuros álbuns. Estamos bastante ocupados atualmente.

Como será a cena do metal no futuro, eu não sei. Espero que haja um número crescente de pessoas que possam apreciar essa música e a intensidade e poder do metal em geral.

Somos um blog de música brasileira, então sempre há essa pergunta inevitável: você conhece/gosta de bandas brasileiras? Se sim, poderia comentar um pouco sobre elas?

Sepultura e Soulfly foram muito importantes para mim e estavam entre as primeiras bandas de metal que ouvi. Há algumas semanas, vi o Crypta ao vivo e acho que eles são uma banda muito impressionante também. Portanto, existem alguns clássicos e novas bandas que são muito interessantes e moldarão o futuro do metal.

Aproveitando o gancho, você também poderia falar um pouco sobre o que você tem ouvido ultimamente? Alguma banda para recomendar?

Estou ouvindo muito Dark Funeral. Acho que o último álbum deles é incrível e não há muitas bandas que lançaram tantos álbuns e são capazes de manter a alta qualidade de sua música. Muito impressionante para mim.

Quero agradecer muito pela sua paciência e peço desculpas por essas perguntas longas. Este é um espaço para deixar suas considerações para nossos leitores. Vamos lá!

Acho que suas perguntas foram muito interessantes e quero agradecer pela oportunidade de falar sobre o Heretoir e nossa música.

Links Relacionados

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Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.