O dia em que perdi o respeito pelo Arch Enemy (ou pela Angela Gossow, pelo menos)

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Não é de hoje que eu acho o Arch Enemy uma banda bem medíocre. Sejamos bem sinceros: geral tá pouco se lixando pro tipo de música que eles fazem, tanto que desde o Doomsday Machine, lançado em 2005, eles apresentam uma musicalidade bastante sem sal, com uma reciclagem de riffs do Heartwork do Carcass, além de algumas coisas lançadas serem parecidas demais com outras bandas.

A banda tenta, desde a entrada de Angela Gossow, construir uma imagem de ser um conjunto com ideias progressistas, que lutam por causas nobres como o direito dos animais, igualdade de oportunidades para todos os gêneros, combate ao fascismo, entre outras coisas. Ao chamarem a vocalista Alissa White-Gluz para se juntar a eles, trouxeram consigo uma pessoa que é ativista vegana, recebendo uma premiação do PETA (People for the Ethical Treatment of Animals), famoso grupo que luta contra exploração animal em todas as formas possíveis.

Entretanto, a gente sabe o quanto muito disso recai numa imagem que não corresponde à prática deles, uma vez que veio a público, recentemente, o caso de J Salmeron, editor e fotógrafo do site Metal Blast Magazine. Caso queira saber do caso na íntegra, veja o vídeo abaixo ou clique neste link: https://www.metalblast.net/blog/how-i-got-banned-from-photographing-arch-enemy/

Para quem não manja de inglês, aqui vai um resumo do ocorrido: o fotógrafo participou do Fortarock, um festival holandês dedicado ao metal, que contou com nomes bacanas como Body Count, Death Angel, Igorrr, Kreator e, claro, o Arch Enemy. Ele tirou, no primeiro dia, esta foto da Alissa (muito boa, diga-se de passagem). No próprio texto, o senhor Salmeron deixa explícito que não liga muito caso algum fã ou mesmo a própria banda resolva repostar suas imagens, inclusive porque isso entra muito em algo que não tem nenhum fim lucrativo e, com isso, a pessoa mostra um pouco do trabalho do fotógrafo, incluindo aí uma repostagem da própria vocalista em seu Instagram pessoal. A gente aqui no Groundcast tem uma política parecida com as nossas imagens de apresentações e muitas vezes eu cedo as fotos para a banda, sem nenhum tipo de ônus.

O grande problema aconteceu quando a mesma imagem foi utilizada por uma empresa, a Thunderball Clothing. Comandada pela Marta Gabriel, costureira (ou alfaiate, não sei se cabe aqui essa terminologia) especializada em roupas com um visual mais “rocker” e que assina o figurino de alguns artistas, incluindo as roupas do Arch Enemy. Esse tipo de prática contraria o que se entende pelo fair use, pois se apropria comercialmente do trabalho de outra pessoa e a fotografia é propriedade do fotógrafo, que pode exigir pelo seu uso algum tipo de compensação. A gente aqui sabe o quanto isso pega pesado, pois já tivemos problemas com fotos de artistas que não foram devidamente creditadas, seja por esquecimento da minha parte, seja porque eu não recebi essas informações e até caso de ter de mudar uma vitrine do podcast por conta disso, a despeito da gente não ter fins lucrativos com esse tipo de coisa.

Ao mandar um e-mail para a Marta Gabriel, o fotógrafo disse que o uso comercial de uma imagem dessas é de 500 euros, mas que ele ficaria muito grato caso a pessoa resolvesse doar 100 euros para um instituto de combate ao câncer, não entrando com processo por infligir contra os direitos sobre o uso da obra. Ressaltou também que é advogado, conhecia os procedimentos legais e que apenas desejaria resolver isso da melhor forma possível.

Todavia, o que se desenrolou foi uma briga muito grande entre a Angela Gossow (ex-vocalista e atual empresária do Arch Enemy), que fora comunicada pela dona da Thunderball Clothing, sob o argumento de que fora AMEAÇADA de processo pelo Salmeron. No desenrolar da briga, começou a aparecer um tipo de problema que é muito recorrente dentro desse meio, consistindo numa ideia equivocada que as bandas têm de que, se estão numa fotografia, ela é automaticamente propriedade da banda, independente do fotógrafo e que isso as autoriza a utilizar, sem nenhum tipo de ônus, essa imagem em quaisquer meios e lucrar com isso.

Artistas de grande porte obrigam os fotógrafos a assinarem contratos que os obriga a ceder todo o material para que possam fazer uso da maneira que bem entenderem. Compreende-se que é uma prática abusiva, mas muita gente daria um braço para estar num show da Taylor Swift, por exemplo. Paga-se com divulgação, na mentalidade tacanha desse pessoal, pois você teve a honra de ficar num local horroroso e poder tirar fotos apenas das três primeiras músicas. Muitas vezes eu tive de lidar com esse tipo de restrição e que vem em contrato para o pessoal que cuida das relações públicas com a imprensa.

O problema nem foi relacionado à banda, mas a Angela Gossow comprou a briga para ela de tal modo que PROIBIU o fotógrafo de tirar fotos de qualquer show do Arch Enemy. Conforme comentado pelo Salmeron, parece que ela também juntou esforços para proibi-lo de ir em outras apresentações, entrando em contato com promotores e com empresários do meio.

Em sua página no Facebook, Angela Gossow tenta provar que o ponto de vista dela, de ter agido como agiu, está correto. Mas, por alguma sorte, os fãs não vem aceitando muito bem o que ela vem colocando, pois: 1) o fotógrafo tem prints de todas as conversas realizadas, 2) em nenhum momento ele cobrou da banda a fotografia, mas sim da costureira que a utilizou de forma indevida e 3) o que, de fato, foi pedido à costureira foi uma doação de 100 euros a uma instituição, valor muito menor do que se ela tivesse de pagar pela imagem.

Este tipo de prática é recorrente da banda, pois uma fotógrafa, Anouk Timmerman, teve um problema muito parecido com a banda, o que deixa claro o tipo de desrespeito que a Angela tem para com quem registra os shows do Arch Enemy. Para resolver este problema, poderia fazer, como muitas bandas fazem, contratar um fotógrafo e, com isso, ter material oficial para poder fazer o que bem entender.

E como gostamos de prints, aqui vai uma postagem, já editada, da ex-vocalista do Arch Enemy:

Traduzindo, se você não manjar dos ingleses:

Um pouco de calúnia nos aconteceu hoje. Boa história de fatos alternativos, copiados e colados.

Quanto a mim: em resumo, um cara se apresenta como fotógrafo / advogado e nos ameaça por causa de um post no Instagram. Eu me certifico de que a foto seja removida em todos os lugares e que ele nunca mais chegue perto do artista [que sou responsável enquanto empresária].

Um fato triste: muitas pessoas compram essa história sem questioná-la, reagindo com o mais puro ódio malicioso. Hoje em dia, com Trump entrando no poder usando exatamente esse método, não deveríamos estar alarmados e variar de tais ‘histórias’ ??? Ovelhas…

Vamos colocar aqui algumas ponderações. A primeira, ninguém está acreditando em qualquer coisa dela porque tem tudo registrado e exposto para quem quiser ler. A segunda, em nenhum momento houve ameaça ou mesmo algum tipo de prática extorsiva. E, terceiro, qualquer direito de fotografia reside em quem produz, não na modelo, implicando que nem a Alissa, nem a Angela detêm direitos sobre essa fotografia.

Até o presente momento não houve nenhum pronunciamento por parte da banda sobre o ocorrido, exceto esta mensagem da Angela, que reproduzo abaixo:

Nós não infringimos nenhum direito autoral.

Uma foto foi postada e marcada (não na minha página nem na do Arch Enemy). Então eu fui encaminhado um e-mail pelo Juan, apresentando-se como advogado e fotógrafo e reivindicando dinheiro para essa imagem – Nós a removemos imediatamente.

Questões de direitos autorais, fotógrafos no site não temos direitos ou escolha para decidir sobre o que eles fazem com as imagens faz com que os artistas se sintam vulneráveis. O resultado: os artistas estão tentando recuperar o controle da situação fazendo com que os fotógrafos assinem um monte de papelada. Nós não fizemos nada assim até agora.

Houve alguma falta de comunicação e mal-entendidos ao longo do caminho, lamento se ofendi alguém. Fiquei zangada. Se ele tivesse acabado de se apresentar como fotógrafo, eu teria reagido de forma diferente, em vez de receber uma correspondência de advogados, o que me pareceu ameaçador. Para esclarecer: não houve extorsão ou ameaça no sentido legal.

Tudo de bom para você, tenha um ótimo ano novo.

Angela

Em suma, Arch Enemy já provou que tem uma péssima empresária, uma péssima assessoria de imprensa e que eles ligam muito pouco para coisas como direito autoral EXCETO quando quem perde dinheiro é a banda. Tudo isso serve para ilustrar que o grande problema não é só a música, mas também quem comanda a estrutura do grupo. É um desrespeito para com o profissional e também para com os fãs, duvidando da sua inteligência.

Não que eu seja contra pagar artistas, pelo que quer que seja, desde que o uso seja comercial. Não faz sentido ganhar dinheiro em cima do trabalho de outras pessoas e, depois, ficar mudando a história para se fazer de vítima.

De uma vez por todas, o Arch Enemy conseguiu mostrar que não é uma bela de uma bosta apenas na música.

Edit 1: A dona da Thunderball Clothing postou recentemente um pedido de desculpas em sua página e mostra que deveria ser esse o tipo de postura da banda e da sua empresária.

Gostaria de pedir desculpas publicamente ao Sr. J. Salmeron por repostar uma das fotos, na minha página no Instagram, que ele tirou sem ter sua permissão. Quando há alguns meses repostei sua foto a partir do Instagram da vocalista do Arch Enemy, Alissa White-Gluz, fiquei orgulhosa de que uma grande artista tinha usado uma peça de roupa que produzi e queria compartilhar com meus seguidores. Como o fiz com um aplicativo que incluía todos os créditos e marcas d’água originais, achei que não havia problema. Eu não fiz por maldade, e não era minha intenção promover qualquer produto. No entanto, concordo que poderia parecer assim e entendo que o autor da fotografia poderia se sentir chateado com isso. E sinto muito sobre isso.

Depois que recebi uma mensagem de e-mail de J. Salmeron, que se apresentou como advogado e autor da fotografia, eu interpretei como outro spam ou golpe (bem, todos nós recebemos esse tipo de e-mail o tempo todo). Eu vi a quantia de 500 euros e o nome de Alissa White-Gluz, de quem respostei a já citada foto, então sem ir mais fundo nessa mensagem, fiz o que achei mais lógico – eu a contatei, encaminhei a mensagem original que tenho, e perguntei o que fazer. Fui instruída a tirar a foto (o que fiz imediatamente) e fui informada de que alguém cuidaria dela. Isso novamente pareceu lógico, pois estava ciente de que não estou na posição de tomar quaisquer ações em nome do Arch Enemy, nem de seus membros. Eu não tive nenhum outro contato com J. Salmeron, não tenho notícias dele desde então, e para ser honesta, nos últimos seis meses eu não tinha ideia de que algo estava errado, especialmente quando a foto foi tirada.

Dito isto, gostaria de me desculpar com J. Salmeron mais uma vez. Não só estou disposta a discutir com ele como compensar e consertar a situação, mas também como garantir que algo assim não aconteça nunca mais. Afinal, estamos todos jogando no mesmo time e temos uma coisa em comum:  nós amamos música.

Marta Gabriel, Thunderball Clothing


Editor, dono e podcaster. Escreve por amor à música estranha e contra o conservadorismo no meio underground.